O recém-construído centro de detenção no coração dos Everglades, na Flórida, batizado de “Alligator Alcatraz” pelas autoridades estaduais, tornou-se alvo de duras críticas de especialistas em saúde pública, ambientalistas e grupos de direitos humanos. Erguido em apenas oito dias e inaugurado com entusiasmo pelo presidente Donald Trump, o campo já apresenta sinais de precariedade, como alagamentos e riscos ambientais severos.
Localizado sobre uma pista de pouso abandonada cercada, o campo pretende abrigar mais de 3 mil imigrantes sob custódia, além de 100 funcionários. Apesar da retórica oficial que evoca “os migrantes mais perigosos do planeta”, especialistas apontam que as ameaças reais vêm do ambiente hostil.
“O risco de doenças transmitidas por mosquitos neste local é significativo”, alertou Durland Fish, professor emérito de epidemiologia da Escola de Saúde Pública de Yale. Estudos realizados na região detectaram vírus que podem causar encefalite, uma inflamação cerebral grave sem tratamento específico. A umidade extrema, combinada com temperaturas que chegam a 91ºF (33ºC) durante o verão, agrava o quadro.
As instalações consistem em grandes tendas com celas improvisadas de cercas metálicas, banheiros e chuveiros portáteis. Vídeos divulgados pela imprensa local mostram que parte do campo começou a inundar ainda durante a visita de Trump na semana passada. O estado afirma que as estruturas suportam ventos de até 110 mph (177 km/h), limite que especialistas consideram ultrapassado pelas normas de construção da Flórida desde o furacão Andrew, em 1992.
“Hoje, qualquer edificação em zona de furacões deve ter resistência superior e sistemas certificados de proteção das aberturas”, disse Anthony Abbate, professor da Faculdade de Arquitetura da Florida Atlantic University. O local está em uma área classificada como de alta velocidade de furacões, o que torna as estruturas temporárias ainda mais vulneráveis.
O governador Ron De Santis defendeu a iniciativa como parte de seu plano de deportação em massa de imigrantes em situação irregular, que prevê a criação de outros centros semelhantes em pontos estratégicos do estado. Para ele e seus aliados, o isolamento geográfico — cercado por quilômetros de pântano — é uma vantagem que desencoraja fugas e reforça o efeito dissuasório.
“Estamos cercados por uma área traiçoeira, e a única saída real é a deportação”, declarou Trump durante sua visita.


No entanto, ambientalistas e organizações indígenas que lutaram por décadas para proteger o Big Cypress Swamp afirmam que o campo ameaça o delicado equilíbrio ecológico da região. Fotógrafo e ativista Clyde Butcher, que documenta os Everglades há 40 anos, disse que o uso intenso de geradores, luzes de segurança e a possibilidade de pulverização maciça de inseticidas terão consequências devastadoras para a fauna local. “A água aqui é pura e cristalina. Este não é um lugar para campos de detenção”, lamentou.
A localização remota também gera preocupação entre defensores dos direitos dos imigrantes. “É praticamente inacessível para advogados, famílias e qualquer tipo de fiscalização independente”, disse Renata Bozzetto, vice-diretora da Coalizão de Imigrantes da Flórida. “Isso cria um ambiente propício a abusos e violações de direitos humanos.”
O Departamento de Segurança Interna dos EUA (DHS) tenta se distanciar do projeto. Em documento apresentado à Justiça, afirmou que “não autorizou, financiou ou operou” o centro, embora a secretária Kristi Noem tenha prometido reembolsar US$ 450 milhões ao estado pelo primeiro ano de funcionamento.
Grupos democratas tentaram inspecionar o local na quinta-feira, mas foram barrados. “É uma afronta ao direito legal de fiscalização de instalações prisionais e mais uma tentativa de esconder abusos da opinião pública”, disseram deputados em nota conjunta.
Entre críticas ambientais, dúvidas sobre segurança estrutural e denúncias de violações de direitos, o Alligator Alcatraz já se tornou um símbolo polêmico da política migratória agressiva de Trump — e um novo capítulo no debate nacional sobre o tratamento dado aos imigrantes nos Estados Unidos.
Fontes: Washington Post, BBC, Il Post