A cúpula dos BRICS realizada no Brasil no último domingo (06) se transformou, rapidamente, em palco de uma crise diplomática entre os Estados Unidos e o governo brasileiro. Em meio a uma pauta voltada para a criação de uma nova arquitetura financeira global e a proposta de uma moeda comum entre os países do bloco, o presidente norte-americano Donald Trump respondeu com retaliações comerciais e ataques políticos diretos ao presidente Luiz Inácio Lula da Silva.
Domingo, 6 de julho – Trump anuncia tarifas adicionais
Logo na abertura do encontro, Trump declarou que aplicará uma tarifa adicional de 10% sobre todas as importações provenientes dos países do BRICS — Brasil, Rússia, Índia, China e África do Sul — e seus novos integrantes, como Irã, Egito e Etiópia, caso avancem nas discussões sobre a criação de uma moeda alternativa ao dólar. A justificativa apresentada foi de que o bloco estaria promovendo políticas “antiamericanas” ao questionar o papel hegemônico do dólar nas transações internacionais.
A medida foi interpretada como um ataque direto às ambições dos BRICS de reestruturar o sistema financeiro global, que historicamente privilegia os países do Norte Global. Segundo a Reuters e o Wall Street Journal, a resposta dos líderes do bloco foi de indignação, embora cautelosa. A iniciativa de Trump causou preocupação, em especial entre os países que mantêm laços comerciais profundos com os EUA, como Brasil e Índia.
Leia mais: Sem China e Rússia, Cúpula do BRICS no Brasil perde a relevância almejada – Danuzio
Reação dos BRICS e retórica moderada de Lula
Em resposta, os países do BRICS divulgaram uma nota conjunta classificando como “extremamente preocupante” a adoção de barreiras unilaterais, reafirmando o compromisso com o multilateralismo e a reforma das instituições financeiras internacionais, como o FMI e o Banco Mundial.
Lula, tentando manter uma postura diplomática, evitou ataques frontais. Em pronunciamento oficial, destacou que o Brasil “não nasceu para afrontar ninguém” e que os BRICS têm como objetivo fortalecer a cooperação Sul-Sul. Ainda segundo Lula, a proposta da nova moeda do BRICS não tem como intenção rivalizar com o dólar, mas apenas oferecer alternativas para os países em desenvolvimento lidarem com sanções e volatilidades cambiais.
Fontes próximas ao Itamaraty indicaram que o governo brasileiro foi pego de surpresa pelo anúncio de Trump e tentou articular uma resposta conjunta entre os líderes do bloco, com pouca adesão dos países mais alinhados a Washington, como Índia e África do Sul.
Segunda, 7 de julho – Lula rejeita interferência
No dia seguinte, Trump endureceu ainda mais o tom, dizendo que as tarifas seriam suspensas apenas se os países do BRICS recuassem na “ameaça geopolítica” que representaria a moeda comum. A fala foi considerada por diplomatas brasileiros como chantagem econômica. Em resposta, Lula afirmou que o Brasil “não aceita tutelas de ninguém” e criticou o que chamou de “comportamento imperial” por parte de Washington.
Trump defende Bolsonaro e intensifica confronto
A tensão aumentou ainda mais quando Trump, em sua rede social Truth, comentou o julgamento do ex-presidente Jair Bolsonaro no” Brasil. O republicano chamou o processo judicial contra Bolsonaro de “caça às bruxas” e afirmou que o Brasil estava “perseguindo um patriota“.
“Eles querem prender Bolsonaro por dizer a verdade. Isso é exatamente o que tentaram fazer comigo. Aconteceu comigo, vezes dez“, disse Trump, em referência às acusações criminais que enfrenta nos EUA. Ainda afirmou que o Brasil deveria “deixar Bolsonaro em paz“, criando mal-estar entre os dois governos.
Lula reage com firmeza
A fala de Trump sobre Bolsonaro foi interpretada no Planalto como uma grave interferência em assuntos internos do Brasil. Lula foi categórico ao rebater: “A defesa da democracia no Brasil é um tema que compete aos brasileiros. Somos um país soberano. Não aceitamos interferência ou tutela de quem quer que seja. Possuímos instituições sólidas e independentes. Ninguém está acima da lei“.
Analistas políticos apontam que o impasse pode afetar a relação bilateral em diversas frentes. A aplicação de tarifas pode prejudicar setores-chave da economia brasileira, como o agronegócio e a indústria automotiva, fortemente dependentes do mercado norte-americano. O Brasil é hoje o terceiro maior exportador de produtos agrícolas para os EUA, atrás apenas do México e Canadá.
Além disso, o ambiente de tensão pode comprometer o andamento de negociações comerciais e de investimentos, como o acordo Brasil-EUA para cooperação energética assinado no início do ano.
A crise entre Brasil e Estados Unidos evidencia os limites da diplomacia brasileira diante de um cenário internacional cada vez mais fragmentado e polarizado. Com Trump adotando uma retórica agressiva e Lula buscando manter a autonomia diplomática do país, o conflito ameaça escalar — tanto no plano comercial quanto político.
Se a retórica não for contida por ambos os lados, o risco é de que o incidente evolua para um impasse duradouro, comprometendo não apenas as relações bilaterais, mas a própria credibilidade do BRICS como alternativa global ao sistema liderado pelo Ocidente.
Fontes: Revista Oeste, France 24, G1, BBC