O Tribunal Penal Internacional (TPI) anunciou nesta terça-feira (07) uma decisão inédita e historicamente simbólica: emitiu mandados de prisão contra dois dos principais líderes do Talibã — o líder supremo Haibatullah Akhundzada e o presidente do grupo, Abdul Hakim Haqqani — por crimes contra a humanidade, com base na perseguição sistemática a mulheres e meninas no Afeganistão.

Segundo o TPI, as políticas de gênero do regime talibã configuram crimes internacionais, incluindo prisão arbitrária, tortura, estupro, desaparecimento forçado e perseguição com base em gênero. O caso marca a primeira vez que o Tribunal considera a repressão de mulheres e de pessoas LGBTQI+ como um crime contra a humanidade em escala governamental.
Desde que retomou o poder em agosto de 2021, após a saída dos EUA e da OTAN, o Talibã impôs restrições severas que praticamente apagaram as mulheres da vida pública:
- Proibição de educação para meninas a partir do ensino médio
- Proibição do trabalho feminino em quase todos os setores
- Proibição de viagens sem um “guardião” masculino
- Substituição do Ministério da Mulher por um “Ministério da Virtude e Prevenção do Vício”
Reação do Talibã: desprezo ao direito internacional
O porta-voz do regime, Zabihullah Mujahid, respondeu com hostilidade:
“Não reconhecemos nenhuma entidade chamada ‘Tribunal Internacional’. Rotular a sharia islâmica como opressiva é expressão clara de inimizade contra o Islã.”
O regime fundamenta sua brutalidade na interpretação extremista da sharia, criminalizando a expressão feminina, o ensino para mulheres e qualquer forma de liberdade individual que não se submeta à sua leitura religiosa do mundo.
Embora os mandados tenham validade legal nos 125 países membros do TPI, é improvável que os líderes do Talibã sejam presos, a menos que deixem o Afeganistão. Como mostra o histórico recente, países como Hungria e Mongólia já se recusaram a cumprir mandados de prisão internacionais, inclusive contra Vladimir Putin e Benjamin Netanyahu.
Além disso, os Estados Unidos não são signatários do Estatuto de Roma, que criou o TPI. Pelo contrário: tanto no governo Trump quanto agora, a Casa Branca impôs sanções ao tribunal por investigar militares americanos e aliados como Israel.
Apesar do isolamento formal, o Talibã obteve reconhecimento diplomático da Rússia, que se tornou o primeiro país a considerar o grupo como governo legítimo do Afeganistão. O gesto simboliza o avanço de regimes autoritários na reconfiguração da diplomacia global — à revelia dos valores ocidentais.
O caso contra os líderes do Talibã abre uma nova frente na jurisprudência internacional, onde a opressão de gênero e identidade se torna um campo legítimo de responsabilização criminal. Também revela as limitações práticas do sistema internacional diante de regimes teocráticos e armados que ignoram tratados, normas e valores universais.
Fonte: The Washington Post