Tensões regionais: escândalo de espionagem em Itaipu ecoa no cenário internacional e atrai apoio dos EUA ao Paraguai

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O escândalo de espionagem envolvendo a barragem binacional de Itaipu, revelado pela imprensa brasileira e detalhado em reportagem publicada pela revista Foreign Policy em 10 de julho de 2025, repercutiu internacionalmente e reacendeu disputas geopolíticas históricas entre Brasil e Paraguai. A crise diplomática ganhou novos contornos ao atrair o apoio explícito de parlamentares norte-americanos ao governo paraguaio, ampliando a pressão sobre Brasília.

Segundo a Foreign Policy, a Agência Brasileira de Inteligência (ABIN) monitorou ilegalmente as comunicações de ao menos seis autoridades paraguaias envolvidas nas negociações sobre o novo tratado de Itaipu, que substitui o acordo firmado entre as duas ditaduras militares em 1973. A espionagem teria começado ainda no governo Jair Bolsonaro, mas continuou pelos primeiros seis meses do governo Lula — inclusive após o presidente tomar conhecimento do caso, segundo as denúncias.

O governo brasileiro nega envolvimento direto e afirma que suspendeu o monitoramento assim que foi informado, prometendo uma investigação interna. No entanto, a explicação não foi suficiente para conter a indignação do presidente do Paraguai, Santiago Peña, que suspendeu as negociações com o Brasil e exigiu uma resposta formal. O chanceler paraguaio, Rubén Ramírez Lezcano, classificou o ato como “violação do direito internacional” e uma “interferência inaceitável nos assuntos internos do Paraguai“.

A crise diplomática ganhou dimensão internacional ao ser citada em maio por Marco Rubio, secretário de Estado dos EUA, durante uma audiência no Senado americano. Rubio elogiou o potencial energético do Paraguai e encorajou investimentos estratégicos em data centers movidos à energia limpa gerada por Itaipu, afirmando que o país tem uma “enorme oportunidade” de se tornar um polo de inteligência artificial na América do Sul. A declaração foi interpretada por diplomatas brasileiros como um gesto claro de apoio de Washington ao Paraguai — especialmente vindo de um governo republicano com o qual Peña mantém laços estreitos.

Segundo a Foreign Policy, esse movimento faz parte de uma aproximação coordenada. Em janeiro, Rubio visitou Assunção, e em fevereiro foi recebido novamente pela equipe de Peña, que tem priorizado o relacionamento com o Partido Republicano dos EUA, incluindo no apoio a Israel e no reconhecimento diplomático de Taiwan — posições que diferenciam o Paraguai de seus vizinhos sul-americanos.

Analistas apontam que o escândalo reforça a posição do Paraguai no tabuleiro diplomático. Para a a analista de política externa argentina paraguaia, Julieta Heduvan, ouvida pela revista, “há uma vítima e um agressor muito claros” no caso, o que tem gerado simpatia internacional pela causa paraguaia. A exposição global do episódio fortalece a narrativa de um país menor tentando corrigir décadas de assimetrias impostas por uma potência regional.

A barragem de Itaipu, construída nos anos 1970, é a maior fonte de energia do Paraguai e fornece cerca de 8% da energia consumida no Brasil. O tratado original obriga o Paraguai a vender seu excedente exclusivamente ao Brasil a preços abaixo do mercado. Desde o fim do pagamento da dívida da construção da barragem, em 2023, Assunção tenta renegociar os termos para obter maior autonomia sobre sua energia — e agora exige, além de novos preços, compensações históricas e reparações por danos ambientais e sociais causados pela obra.

A revelação da espionagem ocorre num momento de instabilidade regional. O Mercosul enfrenta divisões internas entre governos de esquerda, como o de Lula e o da Bolívia, e lideranças conservadoras como Javier Milei, da Argentina, e Peña, no Paraguai. A ruptura entre Brasil e Paraguai se intensificou em março, quando o governo brasileiro retirou seu apoio à candidatura do chanceler paraguaio à secretaria-geral da Organização dos Estados Americanos (OEA), agravando o distanciamento diplomático.

Com o embaixador paraguaio ainda fora de Brasília e as negociações de Itaipu paralisadas, o caso se tornou um teste para a diplomacia regional. Para especialistas, a continuidade da crise pode afetar não apenas o futuro energético dos dois países, mas também parcerias estratégicas em áreas como segurança, comércio e combate ao narcotráfico.

Embora o Brasil siga sendo a principal potência econômica da região, o escândalo deixou claro que a assimetria histórica entre os dois países está sendo desafiada por novas alianças internacionais — e que o Paraguai, mesmo com limitações, soube explorar o momento a seu favor. Como resume Heduvan, “o Paraguai sempre jogou com o tabuleiro inclinado, mas agora conseguiu, pela primeira vez em muito tempo, colocar o Brasil na defensiva“.

Fonte: foreignpolicy.com

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