Desde o fim do regime de Bashar al‑Assad, em dezembro de 2024, a minoria alauíta passou por um aumento alarmante de sequestros e desaparecimentos. A Reuters revelou que pelo menos 33 mulheres alauítas, entre 16 e 39 anos, desapareceram nos últimos meses nas regiões de Tartous, Latakia e Hama — regiões costeiras onde essa comunidade concentra-se.
Uma das vítimas, Abeer Suleiman, de 29 anos, foi raptada na cidade de Safita. A família recebeu exigências de resgate de quase US$ 15.000, transferidos em pequenas quantias a bancos situados na cidade turca de Izmir. Em contato telefônico com a família, Abeer mencionou que o acento árabe que ela ouviu sugeria estar fora da Síria, embora não pudesse dar maiores informações. Esse caso é apenas parte de um padrão que, segundo famílias entrevistadas, mostra frequentes pedidos de resgate entre US$ 1.500 e US$ 100.000. A polícia síria, entretanto, investiga pouco e não oferece respostas satisfatórias.
Perfis compilados com 16 famílias afetadas indicam que sete desses desaparecimentos envolvem sequestros confirmados, alguns com provas de que as mulheres foram levadas para fora do país. Embora quase metade tenha sido encontrada posteriormente, muitos retornaram em circunstâncias duvidosas e com receio de comentar o ocorrido.
Esses casos ocorrem num contexto de escalada de violência brutal contra os alauítas na costa síria. Em março, ataques sectários causaram mais de mil mortes, e houve massacres e represálias de militantes xiitas e sunitas, que acusavam alauítas de serem cúmplices do agora deposto regime de Assad. Grupos armados teriam invadido aldeias, executado famílias com perguntas sobre afiliação religiosa e forçado famílias a abandonarem suas casas sem aviso prévio.
Na falta de respostas internas, a Comissão de Inquérito da ONU iniciou investigação formal sobre os sequestros de mulheres alauítas, já documentando ao menos seis casos graves neste ano. O relatório revela que as investigações locais não avançaram e que as famílias continuam desamparadas.
Em Tartous, um jornalista local acusou que muitos desaparecimentos são atribuídos a problemas familiares, uma versão contestada pelos relatos e provas documentais, como gravações, transferências bancárias e testemunhos. A inação das autoridades reforça a percepção de impunidade.
Grupos de direitos humanos alertam que esses ataques podem representar uma forma de “genocídio cultural“. O analista Sami Kayal classificou os sequestros como “instrumentos sistemáticos para destruir a coesão social alauíta“, comparando-os à violência sexual usada como arma por extremistas.
ONGs como Human Rights Watch apontam que os sequestradores, muitas vezes, agem com financiamento ou apoio de milícias sunitas alinhadas ao novo governo. As motivações seriam misturadas: ganhos financeiros, vingança, coerção religiosa e limpeza demográfica.
A resposta internacional está aumentando. A ONU condenou os sequestros e o massacre de civis alauítas, e o Escritório de Direitos Humanos exigiu ações urgentes para proteger minorias e seus locais sagrados. Ainda assim, o governo interino sírio, liderado por uma coalizão sunita, afirma que a maioria dos desaparecimentos se deve à fuga ou disputas familiares, contradizendo denúncias de sequestros dirigidos.
Enquanto isso, as famílias das vítimas vivem entre esperança e desespero. Muitas limitam-se a esperar por qualquer notícia, receosas de novas represálias caso falem publicamente. A atmosfera de medo se torna ainda mais tensa. O silêncio das ruas costeiras reflete um trauma profundo e o desmoronar da confiança na proteção estatal.
O aumento desses crimes marca um preocupante retrocesso no processo de reconstrução da Síria, aprofundando divisões sectárias e minando qualquer proposta de reconciliação nacional. Para essas mulheres e comunidades, a queda de Assad, que prometia um novo começo, transformou-se em tempestade de horror e insegurança, sem garantias de retorno ou justiça. A Síria se vê diante de um dilema: permitir que o trauma sectário se enraíze ou buscar mecanismos urgentes para garantir proteção, verdade e reparação para todos.