A retomada das favelas do Rio: um novo capítulo ou mais uma promessa eleitoreira?

O anúncio do governo do Rio de Janeiro de solicitar apoio do Exército e da Polícia Federal para retomar territórios dominados por organizações criminosas me fez lembrar de 2011 e 2012, quando estive à frente de um batalhão de infantaria na ocupação dos Complexos de favelas do Alemão e da Penha no Rio de Janeiro. O tema reacende um antigo debate: até que ponto essas operações são eficazes e sustentáveis, ou apenas movimentos políticos para capitalizar apoio popular? A proposta, que será apresentada ao Supremo Tribunal Federal (STF) até 15 de outubro de 2025, em cumprimento à decisão da Corte na “ADPF das Favelas“, promete ações integradas entre forças estaduais e federais, com foco inicial em comunidades de “baixa criticidade”, como Cidade de Deus, Vila Kennedy e Mangueirinha. No entanto, a história recente de intervenções no Rio levanta questionamentos sobre a real capacidade do Estado de transformar essas regiões e evitar que voltem ao controle do crime organizado. Lições do passado: Operações Arcanjo, São Francisco e a Intervenção de 2018 Para avaliar o potencial da nova proposta, é essencial revisitar operações anteriores. Em 2010, a Operação Arcanjo marcou a ocupação dos Complexos do Alemão e da Penha pelas Forças Armadas, com o objetivo de desarticular o tráfico e preparar o terreno para as Unidades de Polícia Pacificadora (UPPs). A missão começou sob forte comoção popular e apoio da mídia após uma onda de ataques que durou mais de 10 dias, paralisou o Rio de Janeiro com mais de 180 veículos incendiados, 40 homicídios, suspensão de serviços públicos e fechamento do comércio. Após 19 meses, em 2012, o Exército deixou a região considerada “pacificada”. No entanto, a transição para a Polícia Militar foi marcada por falhas logísticas e ausência de continuidade em políticas públicas. O governo estadual negligenciou ações sociais e de infraestrutura, permitindo que o tráfico recuperasse terreno. A Operação São Francisco, realizada entre 2014 e 2015 na Maré, foi amplamente divulgada antes de iniciar e não começou sob comoção. A ocupação militar buscava conter a violência às vésperas da Copa do Mundo e das Olimpíadas. No entanto, os resultados foram limitados, pois a falta de continuidade nas ações realizadas nos complexos do Alemão e da Penha viabilizou um rápido retorno ao controle territorial armado do Comando Vermelho, desmoralizando esse modelo de operação. Após a saída das Forças Armadas, a ausência de investimentos em serviços básicos e a fragilidade das forças policiais locais permitiram o retorno das facções. A Intervenção Federal de 2018, comandada pelo general Walter Braga Netto, foi voltada exclusivamente para a Segurança Pública. A cidade enfrentava uma crise de abastecimento devido ao roubo constante de cargas. Entre os principais resultados: Apesar dos resultados, a imprensa adotou uma postura crítica, dando ênfase a falhas pontuais. A ausência de estratégias de longo prazo e os escândalos de corrupção na cúpula do governo prejudicaram a continuidade e consolidaram uma deterioração rápida após o fim da intervenção. O novo plano: Integração ou Improviso? O plano atual, liderado pelo governador Cláudio Castro, propõe uma abordagem mais ampla, envolvendo Exército, Polícia Federal e forças estaduais. Segundo o secretário de Segurança Pública, Victor dos Santos, as operações incluirão políticas de inclusão social, estímulo à economia local e combate ao controle de serviços como internet, gás e energia elétrica pelas facções. A ideia de “governança compartilhada” entre município, estado e União soa promissora, mas esbarra em um histórico de descoordenação entre os entes federativos. Começar por comunidades de “baixa criticidade” pode ser uma estratégia para evitar confrontos intensos em áreas como o Complexo do Alemão, considerado de “alta criticidade” por conta das barricadas e do armamento pesado. Entretanto, essa abordagem também pode ser vista como uma forma de adiar o enfrentamento direto com as facções mais poderosas, gerando dúvidas sobre a real ambição do plano. A questão da GLO e o papel das Forças Armadas O uso da Garantia da Lei e da Ordem (GLO), que viabiliza o emprego do Exército com veículos blindados para desmantelar barricadas, é visto como uma “opção logística”. No entanto, experiências anteriores indicam que, embora eficaz no curto prazo, a presença militar não gera resultados duradouros sem uma ocupação civil robusta. As Forças Armadas, projetadas para defesa nacional, podem ser adaptadas para atuar nesse cenário urbano complexo, exigindo inteligência, proximidade com a população e políticas sociais consistentes. A proposta de GLO também reacende um debate sensível: o risco de uso político das Forças Armadas para capitalizar resultados. A Operação Arcanjo (2010–2012) foi marcada por alinhamento entre o governo do PT e a imprensa, visando transmitir uma imagem de segurança que garantisse os megaeventos. A Ocupação da Maré seguiu o mesmo roteiro. Já a Intervenção de 2018 enfrentou oposição ferrenha da imprensa e do meio acadêmico, mais alinhados à esquerda, que omitiram avanços conquistados. Hoje, o embate entre o governador Cláudio Castro (PL) e o presidente Lula (PT) pode transformar a nova operação em palco de disputas eleitorais, às vésperas das eleições de 2026. A promessa de neutralidade partidária é bem-vinda, mas difícil de sustentar em meio a uma forte polarização. Um futuro incerto Com ênfase em integração e políticas públicas, o plano parece corrigir erros do passado, mas sua efetividade dependerá de coordenação, recursos e vontade política. A história mostra que a presença do Estado não pode se limitar a tanques e fuzis. Educação, saúde, infraestrutura e oportunidades econômicas são essenciais para libertar verdadeiramente as comunidades do domínio do crime. Resta saber se as unidades das Forças Armadas serão adaptadas em equipamento e treinamento para enfrentar esse tipo de desafio com mais frequência, ou se o uso recorrente da GLO revela a incapacidade do Estado de combater o crime sem recorrer a medidas de exceção. A resposta definirá se o Rio de Janeiro está inaugurando um novo capítulo ou apenas relendo antigas promessas. Sobre o autor: o coronel Fernando Montenegro é veterano das Forças Especiais, professor na Pós Graduação em Gestão e Direção de Segurança da Universidade Autônoma de Lisboa e comentarista/articulista da CNN PORTUGAL.

O “Gabinete do Amor” sob a sombra do “Mensalinho do Twitter”

Lula wants you. Edição com imagens CC

A política brasileira continua sendo uma arena de intensos embates, especialmente nas mídias sociais, onde o Partido dos Trabalhadores (PT) tenta recuperar terreno com o lançamento do chamado “Gabinete do Amor“. Anunciado na última quarta-feira (02), por meio do site “Influenciadores com Lula“, o projeto busca cooptar blogueiros, youtubers, tiktokers e influenciadores para divulgar as bandeiras do governo de Luiz Inácio Lula da Silva, como a proposta de taxar bilionários, bancos e casas de apostas (Bets), apelidada de “Taxação BBB“. Para muitos, no entanto, essa estratégia cheira a algo já visto: o “Mensalinho do Twitter” de 2018, quando o PT foi acusado de pagar influenciadores para impulsionar candidaturas. O “Gabinete do Amor” possui uma sombra, o “Mensalinho do Twitter”, e que, em conjunto com a PL das Fake News e os recentes desdobramentos de regulação das mídias sociais, podem representar um grande perigo para a liberdade de expressão e o debate público. O “Gabinete do Amor”: um plano para dominar as mídias sociais O “Gabinete do Amor” é vendido pelo PT como uma reação ao sucesso da direita nas redes sociais, que vem ditando o ritmo do debate digital desde a eleição de Jair Bolsonaro em 2018. No site “Influenciadores com Lula“, o partido convoca apoiadores a se inscreverem e escolherem como querem ajudar: seja compartilhando posts, criando conteúdo, organizando eventos ou liderando grupos locais. A narrativa oficial fala em “espalhar amor” e “combater o ódio“, mas, para quem acompanha a política de perto, isso soa mais como uma tentativa de controlar a narrativa online em favor do governo. O termo “Gabinete do Amor” não é novo. Ele surgiu em 2022, durante a campanha de Lula, como uma resposta ao chamado “Gabinete do Ódio“, que o PT atribuía a Bolsonaro, mas nunca provou sua existência. Na época, a produtora 342 Artes e o coletivo Mídia Ninja criaram um programa no YouTube com esse nome, para “explicar as propostas de Lula de forma descontraída”. Em 2023, Paulo Pimenta, chefe da Secretaria de Comunicação Social (Secom), já falava em trazer influenciadores pró-Lula para dentro do governo. Em 2025, o projeto ganhou corpo com uma plataforma oficial do PT, focada em unificar o discurso e ampliar a propaganda de medidas como a “Taxação BBB”, que promete financiar a isenção do Imposto de Renda para salários de até R$ 5 mil, uma promessa de campanha do presidente. Para quem vê a política com olhos conservadores, o “Gabinete do Amor” é um sinal de alerta. Trata-se de uma manobra para organizar uma militância digital sob as rédeas do governo, o que cheira a manipulação da opinião pública. A ideia de “combater o ódio” parece mais um pretexto para calar vozes críticas, especialmente num momento em que a direita brilha nas redes com engajamento orgânico, construído sem depender de estruturas diretamente centralizadas. O “Mensalinho do Twitter”: uma sombra do passado O “Gabinete do Amor” não pode ser analisado sem a lembrança do “Mensalinho do Twitter” de 2018. Naquele ano, empresas ligadas ao deputado petista Miguel Corrêa foram acusadas de pagar influenciadores para promover candidatos do PT e do PR (hoje PL), como Gleisi Hoffmann, Luiz Marinho e Wellington Dias, sem deixar claro que os posts eram propaganda. A denúncia, trazida à tona por influenciadores como Paula Holanda e amplificada pelo Movimento Brasil Livre (MBL), mostrou que o esquema descumpria a resolução do Tribunal Superior Eleitoral (TSE) de 2018, que proíbe propaganda paga na internet, salvo em casos de impulsionamento identificado. A pena para isso? Multas de R$ 5 mil a R$ 30 mil ou até cassação de candidaturas. O “Mensalinho” causou furor na época, com críticos apontando a hipocrisia do PT, que acusava adversários de “milícias digitais” enquanto usava métodos semelhantes. Apesar do barulho, as investigações patinaram na Justiça Eleitoral, e casos como o de Wellington Dias foram engavetados por falta de provas concretas. Ainda assim, o episódio deixou uma mancha: o PT parecia disposto a jogar sujo para ganhar espaço no debate digital. Agora, com o “Gabinete do Amor”, o PT tenta uma abordagem mais aberta, com um site público e um discurso de “mobilização voluntária“. Mas a semelhança com o “Mensalinho” é, simplesmente, gritante. Ambos os projetos buscam usar influenciadores para amplificar mensagens políticas, e a falta de clareza sobre possíveis pagamentos no “Gabinete” alimenta a desconfiança de que o partido está apenas polindo uma tática antiga. “Gabinete do Amor” x “Mensalinho do Twitter“ Embora o “Gabinete do Amor” seja mais transparente que o “Mensalinho”, com uma plataforma oficial e um convite aberto a apoiadores, a diferença parece ser mais de fachada do que de essência. O “Mensalinho” era clandestino, com pagamentos escondidos, enquanto o “Gabinete” se apresenta como uma iniciativa legítima. Mas o objetivo é o mesmo: transformar influenciadores em megafones do governo. Enquanto o “Mensalinho” focava em campanhas eleitorais, o “Gabinete” mira pautas amplas, como a “Taxação BBB”. Aliás, essa pauta parece ser um teste inicial de possibilidades e potencial, um projeto piloto. No fundo, ambos refletem a obsessão do PT em controlar o discurso na internet. A direita conquistou as redes com movimentos orgânicos, com figuras como Bolsonaro e Nikolas Ferreira conectando-se diretamente com o público. Já o PT aposta numa abordagem burocrática, com cadastros e diretrizes, artificial, mas com o intuito de atingir engajamento. A retórica de “combate ao ódio” é vista com ceticismo, já que o PT sempre acusou a direita de práticas que agora parece adotar, como organizar influenciadores para moldar a opinião pública. O projeto de MAV’s do PT é antigo Em 2011, no 4º Congresso Nacional do PT, foi aprovada a criação do que ficou chamado como MAV (Militância em Ambientes Virtuais). O objetivo era formar uma “tropa de choque” de militantes com o objetivo de “ocupar espaços”, no âmbito virtual, como na área de comentários de blogs e sites de notícias, além de discussões em mídias sociais, com a repetição de slogans em defesa do partido. Estamos falando da época em que o Orkut reinava por aqui e o Facebook ainda tentava seu lugar

Sem China e Rússia, Cúpula do BRICS no Brasil perde a relevância almejada

A cúpula do BRICS marcada para esta semana no Brasil deveria simbolizar a consolidação de um bloco capaz de desafiar a ordem global dominada por Estados Unidos e Europa. Mas a ausência de quatro atores centrais — China, Rússia, Egito e Irã — lançou uma sombra sobre a relevância prática do encontro. Ainda assim, uma pauta ambiciosa sobre a criação de uma moeda comum para rivalizar o dólar americano ocupa o centro do debate, mesmo sendo considerada por especialistas como uma proposta distante da realidade. A proposta de criação de uma moeda unificada do BRICS não é nova. Surgiu inicialmente há mais de uma década como um ideal de cooperação econômica aprofundada. Ganhou fôlego nos últimos anos, alimentada pelo discurso de “desdolarização” — o desejo de reduzir a dependência da moeda americana nas transações internacionais. Entretanto, nem mesmo seus defensores mais entusiásticos escondem os enormes obstáculos. Para começar, o bloco é uma colcha de retalhos: Brasil, Rússia, Índia, China e África do Sul têm interesses estratégicos distintos, regimes políticos díspares e níveis de integração econômica muito desiguais. Agora, com novos integrantes — incluindo Egito, Etiópia, Irã e Arábia Saudita —, as diferenças se multiplicaram. Nenhum mecanismo efetivo foi criado para harmonizar políticas fiscais ou monetárias, pré-requisitos essenciais para uma moeda única minimamente funcional. O economista Eswar Prasad, da Universidade Cornell, resumiu a dificuldade enfrentada pelos BRICS:  “Se é difícil manter a coesão na zona do euro, que compartilha fronteiras e regulações comuns, imagine entre países com disputas geopolíticas abertas e estruturas econômicas díspares“. Com China e Rússia fora desta reunião — Xi Jinping justificou “prioridades internas” e Putin anunciou a ausência devido à falta de transparência do Brasil em relação à decisão do Tribunal Penal Internacional de prendê-lo — a iniciativa soa mais como retórica política do que projeto imediato. O discurso oficial dos governos menciona “estudos preliminares” sobre moedas alternativas e a ampliação do uso de acordos bilaterais de pagamento em moedas locais. Mas mesmo essas ideias esbarram em limitações técnicas e no receio de investidores sobre instabilidade cambial. Na imprensa internacional, a ausência das duas potências centrais gerou análises duras sobre o esvaziamento do BRICS. O The Economist publicou um editorial afirmando que o bloco “corre risco de virar um fórum retórico sem impacto tangível na ordem financeira global“. Já o Le Monde destacou que o afastamento de Xi e Putin sinaliza o desinteresse momentâneo em investir capital político em um encontro dominado por disputas regionais e sem consensos claros sobre prioridades. Mesmo líderes presentes, como Narendra Modi, da Índia, preferiram focar em projetos de cooperação científica e investimentos em infraestrutura, reconhecendo que a proposta de moeda comum carece de base institucional sólida. O secretário-geral da ONU, António Guterres, também alertou que, enquanto novas iniciativas de moedas alternativas podem ter “interesse geopolítico“, não devem agravar a fragmentação financeira que ameaça países em desenvolvimento com maiores custos de financiamento e volatilidade. Outro fator que contribui para o ambiente conturbado é a própria expansão do BRICS. A entrada do Irã, país sancionado por boa parte do Ocidente, e a participação da Arábia Saudita, com seus interesses muitas vezes conflitantes com Teerã, criaram novos atritos. Enquanto o bloco pretendia mostrar força ao incluir atores do Golfo e do Oriente Médio, acabou expondo mais divergências. Por exemplo, a Arábia Saudita prefere manter o dólar como moeda de referência para seu comércio de petróleo, enquanto o Irã defende explicitamente a “substituição completa“ do dólar por alternativas baseadas em cestas de moedas dos BRICS. Este descompasso mina qualquer tentativa de consenso mínimo. A guerra na Ucrânia adiciona outro complicador: muitos países temem sanções secundárias caso suas transações passem a envolver bancos russos. A tentativa de criar uma nova moeda de reserva esbarra em três obstáculos principais. Primeiro, o volume de comércio intra-BRICS é expressivo, mas não suficiente para ancorar uma moeda com liquidez global. Segundo, a desconfiança mútua entre os governos sobre quem controlaria o sistema monetário gera paralisia. E, terceiro, nenhuma instituição multilateral do bloco tem poder técnico ou legitimidade para implementar uma união monetária. A realidade é que cerca de 90% do comércio global ainda é liquidado em dólares e euros, segundo dados do SWIFT. Mesmo que parte dos contratos de petróleo russos e chineses hoje seja efetuada em yuan, o uso permanece restrito a acordos bilaterais e não cria massa crítica. Em contrapartida, defensores da proposta, como o chanceler russo Sergei Lavrov, argumentam que o dólar se tornou “instrumento de coerção política” e que a criação de alternativas fortalece a soberania dos países emergentes. Mas, mesmo entre aliados, a aposta é que qualquer plano desse porte exigirá pelo menos uma década de negociações, marcos regulatórios e testes pilotos. Temos ainda outro fator de pressão nos países dos BRICS que foi a vitória de Donald Trump na última eleição norte-americana e suas críticas enfáticas quanto à adoção de uma moeda comum pelo grupo, que teria como consequência impostos elevados ou corte de relações comerciais com os EUA. Logo após essas declarações, vários líderes dos BRICS se pronunciaram, declarando que a criação de uma moeda comum não está em negociação entre os membros. Uma cúpula com temas esvaziados Sem a presença de seus dois principais fundadores e maiores economias, e com divisões sobre sanções e guerra, o encontro no Brasil tende a produzir mais declarações de intenções do que avanços concretos. O risco é que a cúpula seja lembrada pelo contraste entre retórica e capacidade real de coordenação. Por outro lado, a reunião deve reforçar agendas mais pragmáticas, como investimentos cruzados em infraestrutura, energia limpa e agricultura. Esses projetos, menos polêmicos, têm potencial para gerar impacto direto na economia dos membros, algo que pode se tornar o verdadeiro legado do BRICS nesta década. Enquanto isso, a proposta de criar uma moeda capaz de rivalizar o dólar serve como potente símbolo político — mas um símbolo ainda longe de se materializar.

Diddy é culpado — mas não do que queriam

Eles queriam a máfia. Queriam um Don Corleone do hip hop, com engrenagens criminosas funcionando sob ordens murmuradas ao pé do ouvido. Queriam provar RICO — essa peça de artifício jurídico feita sob medida para destruir impérios subterrâneos. O que encontraram, no entanto, foi um pervertido. Um homem com gostos minuciosamente grotescos: viciado, violento, e obcecado por espetáculos privados em que homens besuntados em óleo de bebê Johnson eram colocados como brinquedos vivos em cenas que nem o Marquês de Sade imaginaria com tanta produção. Provaram que Sean Combs bate em mulher, que cheira o que vê pela frente, que domina pelo medo e pelo vício. Provaram que odeia mulheres do modo mais íntimo e destrutivo — o modo de quem as consome e as desmantela. Mas não conseguiram provar a conspiração. O RICO escorreu dele como escorre o óleo das costas nuas de seus parceiros de fetiche. Foi Cassie quem o entregou — depois de onze anos. Onze anos ao lado de seu algoz, organizando orgias com a mesma eficiência de uma assessora de palco. Ela apanhou, ficou, participou. E isso, para o júri, foi demais. O que o júri não disse — mas pensou — é que mulher que fica não pode depois posar de vítima. O que não entenderam — ou se recusaram a entender — é que a vítima às vezes só descobre que é vítima quando já está completamente moldada à cela. Queriam a máfia. Encontraram o espelho sujo da América: o show, o vício, o abuso. Um império depravado, sim — mas pessoal, íntimo, suado. E isso, talvez, tenha sido ainda mais difícil de engolir.

O “paz e amor” vira “guerra e ódio”: Lula não consegue esconder sua ideologia no exterior

Brasil escolhe ditaduras como parceiros estratégicos e fica isolado internacionalmente Dentro do Brasil, o governo segue o discurso de defesa da democracia, usando a chamada frente ampla nas eleições de 2022 e adotando o slogan “União e Reconstrução“. Na prática, os nomes de centro como Simone Tebet e Geraldo Alckmin estão isolados em um governo cada vez mais de pura esquerda e cercado de escândalos. No exterior, entretanto, o governo age de forma mais coerente. O discurso e a prática são em defesa das ditaduras, com o distanciamento das democracias ocidentais. A fachada de “paz e amor” usada pelo PT em eleições vira um claro apoio à guerra e ao ódio nos quatro cantos do planeta, mesmo quando há terrorismo envolvido. Apoio ao Irã e insultos a Israel A defesa de ditaduras não é novidade nos governos petistas. A Venezuela é o clássico exemplo, mas são os recentes posicionamentos do Brasil que têm gerado o espanto da comunidade internacional. Quando os Estados Unidos bombardearam centrais nucleares do Irã em junho, o Ministério das Relações Exteriores soltou comunicado condenando o ataque, que seria uma violação à soberania do Irã e ao Direito Internacional. A maioria dos países democráticos apoiou os ataques ou, no máximo, expressou preocupações. Afinal, a própria Agência Internacional de Energia Atômica (AIEA) havia publicado um relatório dizendo que o Irã estava enriquecendo urânio acima dos limites de uso civil e poderia fazer uma bomba nuclear em meses. Durante o atual cessar-fogo entre Israel e Irã, a agência da ONU (Organização das Nações Unidas) anunciou que o Irã ainda poderia enriquecer urânio e ter armas nucleares em questão de meses, pois os danos à infraestrutura nuclear iraniana foram extensos, mas não totais. Na quarta (2), o Irã sancionou uma lei que suspende a cooperação com a OIEA, tirando o seu programa nuclear da fiscalização da ONU. O comunicado do Itamaraty, portanto, desconsidera que o próprio Irã desrespeitou e continua desrespeitando o Direito Internacional, ao descumprir o Tratado de Não Proliferação Nuclear (TNP) e estar enriquecendo urânio para usos militares, o que coloca não só Israel e os EUA em risco, mas todo o mundo e a existência humana. É incompreensível a chancelaria brasileira defender uma ditadura teocrática como o Irã, que persegue minorias religiosas, mata mulheres por usarem vestimentas inapropriadas, como a jovem Mahsa Amini, e é conhecidamente o maior financiador do terrorismo no mundo, patrocinando Hezbollah, Hamas, Jihad Islâmica Palestina, Houthis, dentre vários outros grupos extremistas. O tom inapropriado não se restringe ao Itamaraty. No início de 2024, Lula causou surpresa quando chamou a ocupação de Gaza por Israel de chacina e genocídio, comparando-a com o Holocausto, o extermínio de mais de 6 milhões de judeus pelos nazistas. A fala gerou grande repercussão internacional, pela gravidade da acusação e pela desconsideração tanto histórica quanto religiosa dos acontecimentos. Lula foi considerado persona non grata em Israel, indicando que o presidente brasileiro não é mais bem-vindo no país. A imagem do Brasil no exterior Em mais um desdobramento internacional, a revista inglesa The Economist publicou, no último dia 29, uma matéria com o título “O presidente do Brasil está perdendo influência no exterior e é impopular em casa”. Em 2022, a The Economist dizia que a reeleição de Jair Bolsonaro seria ruim para o Brasil e para o mundo, de modo que só Lula poderia prevenir isso. Três anos depois, a revista muda o discurso após a política externa brasileira ganhar rumos sombrios, enquanto o governo é cada vez mais impopular domesticamente, com o escândalo de fraude do INSS, do pix, aumento de impostos e inflação descontrolada.  Na avaliação da revista, Lula fica ao lado de ditaduras como o Irã e a Rússia, apoiando esses países publicamente, mesmo que sejam dois dos maiores agressores do Direito Internacional. A Rússia invadiu a Ucrânia em fevereiro de 2022, com ataques à população civil e a anexação de territórios. A guerra soma milhares de mortos e milhões de refugiados. A Rússia foi condenada em peso por toda a comunidade internacional. Europa e Estados Unidos uniram-se para ajudar a Ucrânia a resistir à invasão. Mesmo assim, Lula faz seguidas demonstrações de apoio à Rússia e visitou o país na parada militar de 80 anos da derrota dos nazistas, em maio. No evento, Lula ficou ao lado de criminosos de guerra e de ditadores que se perpetuam no poder com eleições fraudulentas ou que chegaram ao poder com golpes. Era o único líder de uma grande democracia a estar presente. Lembre-se também de que o presidente russo, Vladimir Putin, tem ordem de prisão emitida pelo Tribunal Penal Internacional (TPI) por sequestrar milhares de crianças ucranianas. A viagem de Lula gerou constrangimento entre as democracias europeias, que se esforçam para defender o continente da ameaça expansionista russa. Dessa forma, a observação da revista The Economist encontra respaldo na realidade. O mais surpreendente foi o Itamaraty rebater a matéria, com uma carta dizendo que a “autoridade moral do presidente Lula é indiscutível“, que ele não faz “tratamento à la carte do direito internacional nem interpretações elásticas do direito de autodefesa“. Não parece republicano o uso de instituições de Estado, como o Ministério das Relações Exteriores, para defender a reputação pessoal do presidente da República. Ainda que a The Economist estivesse equivocada em qualquer ponto, está exercendo o seu direito de expressão como meio de comunicação, e é estranho o Itamaraty promover uma espécie de bate-boca com um veículo de imprensa estrangeiro, que sequer tem jurisdição no Brasil. Os atos do presidente Lula demonstram exatamente que é feito um tratamento à la carte do Direito Internacional. Lula e o PT apoiam a Venezuela de forma inconteste há décadas, mesmo após as eleições de 2024 que foram escancaradamente fraudadas, com urnas adulteradas, presos e refugiados políticos. O país tem Judiciário e Legislativo curvados ao presidente socialista Nicolás Maduro. A corrupção generalizada e a má gestão impedem o país de aproveitar a maior reserva de petróleo do mundo em seu subsolo. A população da Venezuela sofre com a supressão

Sabotagem do Nord Stream: Zelensky foi avisado, CIA tentou impedir, Alemanha ignorou alerta

Uma operação chamada “Diameter”, conduzida por um comando secreto ucraniano para sabotagem dos gasodutos Nord Stream 1 e Nord Stream 26 em setembro de 2022, poucos meses após o início da invasão russa ao território ucraniano, foi divulgada pela revista Der Spiegel, no dia 20 de novembro de 2024. A reportagem traz muitos detalhes da operação, inclusive revela que os serviços de inteligência ocidentais souberam dos planos de ataque em junho de 2022, três meses antes das explosões. O artigo deixa claro que, tanto para a Ucrânia quanto para o comando secreto ucraniano que fez a sabotagem, os gasodutos eram um alvo militar legítimo em um conflito armado – em águas internacionais. Eles usaram um iate chamado “Andrômeda” para a execução da sabotagem. Nós trouxemos para nossos leitores os detalhes da operação e as intenções de sabotar outro gasoduto, o Turkish Stream, que conecta a Rússia com a Turquia. Segundo a reportagem, relatos indicavam que o ex-comandante-em-chefe das Forças Armadas da Ucrânia, Valeri Zaluzhny, havia sugerido explodir a ligação de gás natural através do Mar Negro também. Leia mais: Como um comando secreto ucraniano explodiu o gasoduto russo Nord Stream – Danuzio Serviços de inteligência ocidentais souberam Ao que tudo indica, foi um agente sueco que soube dos preparativos realizados pelos sabotadores, de acordo com os círculos de segurança com quem os investigadores conversaram. A informação explosiva posteriormente chegou em outros serviços de inteligência. Um representante da CIA, em Kiev, visitou o palácio presidencial com uma mensagem clara: os planos de ataque deveriam ser interrompidos. Apesar de negar que soubesse de qualquer operação, neste momento fica claro que Volodymyr Zelensky foi informado da operação pela CIA. Os agentes dos EUA também entram em contato diretamente com o comando secreto – conforme mencionamos no primeiro texto que trata dessa investigação, alguns membros do comando foram treinados pela CIA. Os ucranianos deveriam deixar para lá os planos. O chefe do Exército ucraninao, General Valerii Zaluzhny, supostamente descobre que os serviços de inteligência souberam do plano. Se eles não parassem os preparativos, provavelmente todos iriam para a prisão, dizem os militares que transmitiram a informação ao comando secreto. Os homens que estavam executando a missão não entenderam isso como uma ordem de cancelamento. Em geral, não era possível esperar que o clima em Kiev se tornasse mais favorável. Os planos precisariam ser executados antes de outubro, devido às condições do tempo em outubro, pois o Mar Báltico estaria muito agitado para permitir que os mergulhadores entrassem na água apartir de um veleiro com tanques pesados de ar comprimido e bombas a partir daquela data. A Chancelaria alemã subestimou o perigo Em junho de 2022, o Serviço Federal de Inteligência alemão também recebeu um relatório criptografado e ultrassecreta com um aviso claro. Ele vem do serviço de inteligência militar da Holanda. A CIA também foi colocada em cena pelos holandeses, os americanos lideram as informações posteriores sobre segurança para os alemães. Os relatórios secretos descrevem um ataque aos gasodutos Nord Stream: seis comandos ucranianos, disfarçados com identidades falsas, planejavam alugar um barco, usar equipamento especial para mergulhar até os dutos no fundo do Mar Báltico e explodi-los. Os homens estariam sob o comando do comandante-em-chefe ucraniano Valery Salushny, mas o presidente Volodymyr Zelensky não havia sido informado. O ato de sabotagem foi planejado em torno da manobra “Baltops” da OTAN, no Mar Báltico. O Serviço Federal de Inteligência repassou as informações à Chancelaria, mas na sede do governo os relatórios não foram considerados relevantes. Eles ficaram disponíveis apenas na chancelaria depois que terminou a manobra da OTAN e nenhuma providência foi tomada. E foi por isso que os alarmes não foram disparado. Algumas pessoas em Berlim disseram que souberam do aviso, mas a visão predominante foi a de que a burocracia de segurança atrapalhou, classificando o relatório como falso. E devido a essa classificação, nem a Polícia Federal, a Marinha e os centros de combate ao terrorismo do governo federal e estadual da Alemanha foram alertados e nem orientados para os riscos do ataque aos gasodutos.

“Não é da sua conta”: do uso de jato ao assédio, para o STF, tudo deve continuar escondido de quem banca a festa

“Não é da sua conta”: do uso de jatinhos às denúncias de assédio sexual e até ao algoritmo que distribui processos — para o STF, tudo deve continuar escondido de quem banca a festa. Há uma expressão que resume como o Supremo Tribunal Federal prefere lidar com tudo o que, em qualquer democracia, deveria ser público: “Não é da sua conta!” Vale para o algoritmo que escolhe qual ministro vai relatar qual processo. Vale para os voos em jatinhos da Força Aérea Brasileira, que viraram transporte quase exclusivo de autoridades, inclusive ministros do Supremo. Quem paga o combustível, a tripulação e as taxas aeroportuárias? Você. Quem está dentro do avião? Não é da sua conta. Vale até para saber como e com quem o Supremo gasta em diárias, passagens, hotéis e mordomias pelo mundo afora. Dados que, em qualquer lugar sério, estariam a um clique no Portal da Transparência — mas que no STF somem do mapa por “inconsistências técnicas” sempre que alguém resolve perguntar demais. E, como se não bastasse, o “não é da sua conta” agora também cobre denúncias de assédio sexual e moral dentro do tribunal. São dezenas de casos nos últimos anos, processos concluídos que, pela lei, deveriam ser públicos — ainda que com nomes ocultos para proteger vítimas e acusados. Mas no Supremo, até isso precisa ficar trancado a sete chaves. A lógica parece sempre a mesma: quanto mais grave o tema, maior o sigilo. E quanto mais dinheiro público envolvido, menos a população tem direito de saber. Este texto é sobre isso: sobre algoritmos que ninguém vê, sobre mordomias que ninguém fiscaliza, sobre vídeos que ninguém pode assistir e sobre denúncias que ninguém pode ler. Sobre um Supremo que adora repetir ao cidadão comum — que banca toda essa estrutura — a mesma frase, seja qual for a pergunta: “Não é da sua conta!” Sistema de distribuição de processos, o famoso algoritmo do STF O primeiro passo da tramitação de um processo dentro do Supremo é a escolha da relatoria. Com poderes quase imperiais no âmbito processual, um ministro-relator pode fazer muita coisa, inclusive nada. É comum que processos inteiros tramitem do início ao fim sem saírem do gabinete do relator para apreciação dos seus colegas de tribunal. É daí a importância de a distribuição das relatorias ser feita por sorteio. É uma camada de segurança para o cidadão. Por ser imparcial e aleatório, o sorteio evitaria a manipulação na escolha dos relatores das ações. Como quase tudo envolve o STF, apesar de importante e essencial para a Justiça, o “algoritmo” é uma caixa-preta. O sistema parece levantar dúvidas até entre os membros da Corte. Quando assumiu a presidência do tribunal, Cármen Lúcia prometeu a realização de uma auditoria externa no sistema. A promessa nunca foi cumprida, mas, durante a crise instaurada após a morte de Teori Zavascki, então relator da Lava Jato, Cármen fez questão de acompanhar a inserção dos dados no sistema de sorteio, que escolheria Edson Fachin como novo relator dos processos. De fato, a distribuição dos processos costumava ser alvo de curiosidade para a esquerda brasileira. Em 2017, o insuspeito The Intercept Brasil ironizava a coincidência produzida pelo “algoritmo”: por pura sorte, os inquéritos contra os tucanos Aloysio Nunes, José Serra e Aécio Neves pararam no gabinete de Gilmar Mendes. As mordomias bancadas com dinheiro público Bancar uma vida luxuosa para autoridades públicas não é uma obrigação de um povo, mas uma escolha. Em países como a Suécia, por exemplo, os ministros da Suprema Corte ganham o equivalente a cerca de R$ 25 mil líquidos, e um deles manifestou indignação ao ser perguntado por uma reportagem da BBC se suas refeições eram pagas com dinheiro público (“Não almoço à custa do dinheiro do contribuinte”, respondeu o juiz Göran Lambertz). Singapura e os Emirados Árabes Unidos, por outro lado, notoriamente remuneram seus funcionários públicos com salários acima do mercado. Posições em cargos de liderança são equiparadas às de executivos de multinacionais. É uma forma de atrair os melhores dos melhores para essas funções. E, dependendo dos resultados, eles podem até receber bônus no final do ano! O que há em comum tanto na Suécia quanto em Singapura é que, luxuoso ou não, o gasto público das cortes é transparente. Bem diferente do que ocorre no Brasil. Por aqui, a Força Aérea Brasileira foi reduzida a um serviço de táxi aéreo privativo para autoridades, inclusive os ministros do Supremo. Mas, apesar de os brasileiros bancarem a conta que paga tripulação, combustível, manutenção e despesas aeroportuárias, para o Supremo não é um direito do cidadão saber quem é transportado nesses voos. O segredo nas despesas não fica restrito aos voos em jatinhos dos ministros. Apesar de estarmos indo para o sétimo mês de 2025, o Portal da Transparência do STF não informa os gastos com diárias nacionais e internacionais para este ano. Com as passagens, a opacidade é ainda pior: não há atualizações desde 2023. No Portal Poder360, os repórteres Tiago Mali e Letícia Pille mostraram que a opção pelo segredo da boa vida bancada com dinheiro público ocorre há mais de dez anos: Vídeo do Aeroporto de Roma Aeroportos e viagens parecem realmente ser um centro de confusões e segredos para a Corte. No famoso incidente do Aeroporto de Roma, Alexandre de Moraes alegou que ele e seu filho haviam sido agredidos. Moraes por palavras; já o seu filho teria levado um tapa do agressor. Na época, o presidente Lula chamou os suspeitos de agredir o ministro de “animais selvagens“. Por meses, a imprensa brasileira noticiou que a confusão havia sido filmada e as imagens confirmavam a versão de Moraes. Em julho de 2023, a analista da GloboNews Eliane Cantanhêde foi taxativa: “O vídeo do aeroporto de Roma confirma a versão de Alexandre de Moraes à Polícia Federal: o empresário Roberto Mantovani atacou o ministro do STF, sua mulher e filho, com insultos e grosserias, não apenas uma, mas duas vezes.“ Em setembro do mesmo ano, a CNN repetia: “Imagens desmentem

Barak Deri: o capitão da unidade de elite Matkal que sobreviveu ao inferno de Gaza

Sou brasileira e moro em Israel há alguns anos. Nesse período, tive a chance de conhecer pessoas verdadeiramente extraordinárias, mas poucas me marcaram tanto quanto meu amigo Barak Deri. Ele não é apenas um soldado — é um homem que carrega no olhar uma mistura rara de coragem, generosidade e resiliência. Barak integra a Sayeret Matkal, uma das unidades de operações especiais mais respeitadas e seletivas das Forças de Defesa de Israel. Um detalhe impressionante: todos os seus cinco irmãos também serviram na Sayeret Matkal, algo quase inédito, considerando o nível de excelência e os testes rigorosos exigidos para fazer parte desta tropa de elite. Essa tradição familiar revela a fibra, a disciplina e o senso de missão que correm no sangue dos Deri. Em dezembro de 2023, Barak participou de uma das operações mais dramáticas de sua carreira, destinada a resgatar reféns sequestrados pelo Hamas durante o massacre de 7 de outubro. A missão ocorreu nos becos e túneis de Gaza — corredores escuros, úmidos, repletos de armadilhas, que formam um verdadeiro labirinto mortal. No auge da operação, Barak e sua equipe se viram frente a frente com sete terroristas ao mesmo tempo, travando um combate corpo a corpo. Uma granada lançada pelos inimigos explodiu a poucos metros dele, destruindo sua perna e provocando graves ferimentos por estilhaços e tiros. Mesmo caído, Barak continuou atirando para proteger um companheiro que também havia sido ferido, e ao perceber terroristas tentando cercá-los pelas janelas, lançou suas próprias granadas — tudo isso já mortalmente ferido. Em uma de nossas conversas, Barak me contou que acreditou que seria capturado — e, sem saída, cogitou usar sua arma contra si mesmo para evitar o que mais temia: a tortura e a humilhação nas mãos do Hamas. Foi então que sentiu as mãos dos companheiros o puxando para fora daquele inferno subterrâneo, enquanto ainda escutava os colegas discutindo quem deveria ser evacuado primeiro. Ele, praticamente sem pulso, acabou ficando por último, já que os demais tinham mais chances de sobreviver. Graças a Deus, o resgate chegou a tempo. Barak foi levado ao hospital Sheba, onde permaneceu em coma por sete dias. Ao acordar, demorou a entender onde estava — e se ainda estava inteiro. Não estava: sua perna havia sido devastada, exigindo nada menos que 33 cirurgias para reconstruir ossos e músculos. O tornozelo precisou ser completamente fundido, tirando dele para sempre a capacidade de correr. Além disso, enormes cicatrizes marcam o seu corpo. Depois de quase um ano morando dentro do hospital, Barak ouviu a frase mais dura de todas: “Você nunca mais vai correr“. Essa sentença atingiu especialmente forte, pois correr era sua paixão, seu hobby favorito, a forma de aliviar o estresse do dia a dia e se reconectar consigo mesmo. Hoje, enfrenta dores crônicas, controladas apenas com medicamentos fortes, e precisará conviver com limitações para sempre. Apesar de tudo, Barak não se deixou abater. Poucos dias depois de acordar do coma, surpreendeu os médicos ao tentar se sentar e mexer a perna parcialmente reconstruída. Seu apelido na unidade era “Hércules“, e não por acaso. Talvez pudéssemos chamá-lo também de “Wolverine“, tamanho foi o espanto dos médicos com sua recuperação, depois de um embate tão brutal. Em outra de nossas conversas, ele relatou como revive quase todos os dias “o barulho da explosão, o cheiro de fumaça, o gosto de sangue“, e revelou ter sido diagnosticado com transtorno de estresse pós-traumático (PTSD). Mesmo assim, disse com convicção: “Eu faria tudo de novo“, pois acredita profundamente na missão de salvar vidas. Desde que recebeu alta, Barak passou a compartilhar sua história em eventos públicos e palestras motivacionais. Em outubro de 2024, durante uma cerimônia de memória do massacre de 7 de outubro no Hyde Park, em Londres, ele emocionou milhares de pessoas ao declarar: “Eu não sou uma vítima. Eu escolhi isso. Por pior que tenha sido, também foi a maior experiência da minha vida… Agora tudo tem mais força, a vida é mais poderosa.” Atualmente, Barak encara uma rotina exaustiva de fisioterapia, além de infecções recorrentes, dores constantes e a perspectiva de novas cirurgias nos próximos anos. Ainda assim, mantém o sorriso e transformou-se em inspiração para outros feridos, incentivando e acolhendo quem passa por situações semelhantes. Ele costuma abraçar pacientes e motivar equipes médicas, usando sua experiência para gerar esperança. Também encontrou uma forma de voltar a sentir liberdade: adquiriu uma bicicleta adaptada e, sempre que possível, pedala pelas ruas, reencontrando o prazer de sentir o vento no rosto e provando a si mesmo que ainda pode se mover e viver com dignidade. Além de soldado, Barak é pai de uma menina de apenas três anos, sua maior fonte de motivação. Apesar das sequelas, faz questão de participar de cada momento ao lado da filha — brincar, rir, acompanhar seu crescimento —, um presente que ele jamais tomará como garantido. Em suas palestras, dentro e fora de Israel, Barak compartilha lições poderosas de coragem, liderança, resiliência e espírito de equipe. Suas palavras tocam especialmente aqueles que enfrentam dores, físicas ou emocionais, mostrando que mesmo nos momentos mais sombrios ainda é possível se reconstruir — e ajudar outros a fazerem o mesmo. Ele não gosta de ser chamado de vítima e repete isso sempre que pode. Israel tem muitos soldados corajosos, mas poucos estiveram tão próximos da morte quanto ele e ainda carregam as marcas — no corpo e na alma — sem perder a dignidade e a vontade de servir. Para mim, Barak representa a verdadeira definição de herói — não aquele que nunca cai, mas aquele que, ao cair, encontra forças para se levantar, mesmo sabendo que jamais voltará a ser o mesmo. Hoje, Barak continua reconstruindo não apenas o corpo, mas também a alma. Suas cicatrizes jamais desaparecerão, mas se transformaram em símbolos de honra, gravados para sempre como prova de quem arriscou tudo para salvar outros. Se um dia me perguntarem quem me ensinou o significado mais profundo de coragem, responderei sem hesitar: Barak Deri.

A caixa-preta do narcotráfico da América Latina está prestes a ser aberta

O ex-diretor de Inteligência Militar da Venezuela, o Major-Brigadeiro Hugo Armando Carvajal Barrios, também conhecido pela alcunha de “El Pollo”, declarou-se culpado na última quarta-feira (25), antes mesmo de seu julgamento no Tribunal Federal de Manhattan, sob 4 acusações criminais. Seu julgamento está marcado para iniciar nessa segunda-feira (30) e promete abrir a caixa-preta do narcotráfico da América Latina. Nesse artigo, trazemos tudo o que conseguimos apurar sobre o caso. Hugo Carvajal Carvajal nasceu no dia 1 de abril de 1960, em Puerto la Cruz, Anzoátequi, Venezuela. Concluiu seus estudos na Academia Militar da Venezuela, em 1981, onde teria conhecido e sido instruído por Hugo Chávez. Carvajal participou da tentativa de golpe na Venezuela em 1992, junto a Chávez e o MBR-200, Movimento Revolucionário Bolivariano 200, que apesar de ter fracassado, trouxe visibilidade nacional para Chávez, o que propiciou sua posterior subida ao poder. Apelidado de “El Pollo” pelo próprio Chávez, Carvajal liderou a Inteligência Militar Venezuelana (DIM – Direccion de Inteligencia Militar) entre 2004 e 2011. E, novamente, em 2013, ano de subida ao poder de Nicolás Maduro. Em 2012, Carvajal foi nomeado Chefe Oficial contra o Crime Organizado e Financiamento do Terrorismo e, em 2013, Chefe da Contrainteligência Militar. Sim, estamos falando de uma das figuras mais poderosas do governo venezuelano naquele período. Rompimento com Maduro Em fevereiro de 2019, Carvajal fez um vídeo declarando seu apoio publicamente a Juan Gerardo Antonio Guaidó Márquez, principal opositor de Maduro e em seguida, autoridades venezuelanas o acusaram de traição, conspiração, financiamento do terrorismo e associação criminosa. Maduro o expulsou das Forças Armadas em abril do mesmo ano, após o mesmo conclamar que as forças militares rompessem com o governo e permitissem a chegada do transporte de ajuda humanitária na crise venezuelana. Episódio esse, marcado pelo impedimento do governo. Prisão Carvajal foi preso na Espanha em 2019, a pedido do governo dos Estados Unidos, que solicitou sua extradição para julgamento. No entanto, uma apelação apresentada para negar a extradição chegou a ser aceita pelo governo espanhol, mas acabou sendo anulada logo em seguida. Aproveitando-se do imbróglio entre os governos espanhol e americano, Carvajal fugiu e se escondeu por 2 anos, vindo a ser detido novamente em setembro de 2021. Seu pedido de asilo foi negado e sua extradição aprovada. Em seguida, conseguiu suspender temporariamente sua extradição ao apelar para o Tribunal Europeu dos Direitos Humanos, porém foi autorizada novamente e cumprida, em julho de 2023, sendo enviado para Nova Iorque. Ele chegou a alegar inocência ao cumprir extradição. Indiciamento Carvajal foi formalmente indiciado pelo Departamento de Justiça dos EUA, o DOJ, em 26 de março de 2020, junto a Maduro e outras 13 autoridades venezuelanas de alto escalão. Entre as acusações, está a participação, ao lado de altos oficiais venezuelanos, no comando do chamado Cartel de los Soles, em associação com as FARC (Forças Armadas Revolucionárias da Colômbia). O nome do cartel, “Cartel dos Sóis“, se refere às insígnias solares afixadas nos uniformes de oficiais militares de alto escalão da Venezuela. “Os membros do Cartel de Los Soles abusaram do povo venezuelano e corromperam as instituições legítimas da Venezuela – incluindo partes dos militares, aparato de inteligência, legislatura e judiciário – para facilitar a importação de toneladas de cocaína para os Estados Unidos. O Cartel de Los Soles procurou não apenas enriquecer seus membros e aumentar seu poder, mas também ‘inundar’ os Estados Unidos com cocaína e infligir os efeitos nocivos e viciantes da droga sobre os usuários nos Estados Unidos. Para atingir esses objetivos, os líderes do Cartel de Los Soles fizeram uma parceria com líderes das FARC, uma organização terrorista violenta com sede na Colômbia que se dedicava à derrubada do governo colombiano, responsável pela produção e distribuição da maioria da cocaína que chegou aos Estados Unidos.” – DOJ Carvajal, “El Pollo“, teria se aproveitando de sua posição para favorecer do tráfico ilegal de drogas e apoio de seus parceiros, o que inclui as FARC. Em 2006, coordenou junto a outros membros do cartel de Los Soles o despacho de um carregamento de 5,6 toneladas de cocaína da Venezuela para os Estados Unidos, em um avião DC-9, que teria partido da Venezuela com escala no México, onde foi apreendido pelas autoridades mexicanas. Coordenado embarques de drogas junto às Farc sob sua proteção e com segurança fortemente armada, além de vender e fornecer armas automáticas e explosivos para a organização criminosa, em suas atividades terroristas. Além de participar de sequestros e assassinatos envolvendo o tráfico de drogas e seus membros. Inclusive, um dos acusados já foi condenado, Cliver Antonio Alcala Cordones, ex-general das Forças Armadas venezuelanas, que recebeu uma pena de 260 meses de prisão, após se declarar também culpado, em abril de 2024. Seu julgamento começará na próxima segunda (30), abaixo segue uma tabela contendo suas acusações formais e penas previstas: Acusações Penas mínimas e máximas 1ª Acusação: Narco-terrorismo Mínima: 20 anos de prisão; Máxima: Prisão Perpétua 2ª Acusação: Tráfico Internacional de Narcóticos Mínima: 10 anos de prisão; Máxima: Prisão Perpétua 3ª Acusação: Posse de armas de fogo, incluindo automáticas e dispositivos destrutivos Mínima: 30 anos de prisão, consecutiva a qualquer outra pena de prisão imposta; Máxima: Prisão Perpétua 4ª Acusação: Conspiração para possuir armas de fogo, incluindo automáticas e dispositivos destrutivos Máxima: Prisão Perpétua Obs: As sentenças aqui descritas são prescritas pelo Congresso e fornecidas apenas para fins informativos. Qualquer sentença será determinada pelo juiz. Fonte: DOJ Diante de sua confissão, sua condenação já é dada como certa em pelo menos 50 anos. Levando-se em consideração que o mesmo possui 65 anos de idade, sua pena mínima e máxima se equivalem, na prática. O que gera muita expectativa em um possível acordo de confissão, visando a diminuição de sua pena, mediante delações importantes. A data da sua sentença está marcada para dia o 29 de 0utubro de 2025. Pronunciamentos do DEA O DEA (Drug Enforcement Administration), Administração de Repressão às Drogas, Órgão Federal de Segurança do Departamento de Justiça, através de seus procuradores, chegou a declarar: “Hoje

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