Lula perdeu Brasília: crises escancaram a ingovernabilidade

Baixa popularidade, sucessivas derrotas no Congresso e erosão da base de apoio escancaram crise O dia 25 de junho de 2025 foi um dia atípico na democracia brasileira. Pela primeira vez em 33 anos, um decreto presidencial foi derrubado pelo Congresso Nacional. O aumento de alíquotas do IOF feito por Lula foi rechaçado na Câmara dos Deputados, por meio de um projeto de decreto legislativo (PDL) com 383 votos favoráveis e 98 contrários. Logo em seguida, o Senado também aprovou a medida, em votação simbólica. A última vez que isso havia acontecido foi ainda no governo Collor em março de 1992, e seis meses depois, o cenário político instável levou ao início do processo de impeachment de Fernando Collor. Mais do que uma nova derrota do governo Lula no parlamento, o processo político que levou a esse resultado carrega um simbolismo maior, com vários sinais de que a já combalida base do governo se esfacelou, passou a ser uma peça de ficção. Restam apenas os partidos mais à esquerda votando fielmente com o governo: PSOL, Rede, PCdoB, PV e o próprio PT. Ou seja, a base verdadeiramente fiel do governo na Câmara dos Deputados é de 5 partidos com apenas 93 deputados no total, menos de um quinto dos 513 deputados federais. Direita e Centro A direita votou em peso contra o aumento de tributos, assim como os partidos de centro que comporiam a base do governo e que possuem ministérios na Esplanada (MDB, PDT, PP, PSB, PSD, Republicanos e União Brasil). Até mesmo o PDT e o PSB, mais inclinados à esquerda, votaram majoritariamente para derrubar o decreto presidencial. A derrota de Lula começou com uma publicação do Presidente da Câmara, Hugo Motta (Republicanos-PB) na rede social X. Às 11h35 da noite da terça-feira (24), Motta anunciou que a votação sobre o IOF estava pautada para dali a poucas horas, no dia seguinte. O governo foi pego de surpresa. E a relatoria ficou com a oposição (Coronel Chrisóstomo, do PL-RO). Publicamente, parlamentares têm dito que não há espaço para mais impostos ou tributos no país, apesar de terem aprovado o aumento do número de deputados no mesmo dia, mas também pesa a relação desgastada com o governo. Há descontentamento com a demora na execução de emendas parlamentares e com decisões da equipe econômica do ministro da Fazenda, Fernando Haddad (PT). Outra fonte de insatisfação é a Ação Direta de Inconstitucionalidade que apura a falta de transparência e de rastreabilidade nas emendas parlamentares, que transita no STF (Supremo Tribunal Federal), sob a relatoria do ministro Flávio Dino. As decisões de Dino têm gerado atrito com o Congresso. Em dezembro de 2024, por exemplo, Dino suspendeu o pagamento de R$4,2 bilhões do orçamento da União em emendas, até que cumprissem os requisitos de transparência. E somente dois meses depois, Dino finalmente homologou um plano de trabalho apresentado pelo Congresso, liberando as emendas. Como o ministro foi indicado por Lula, os parlamentares avaliam que o governo deveria intervir para evitar os atritos. Tensão entre Congresso e STF Após a histórica derrota do IOF sofrida pelo governo, tanto o presidente do Senado, Davi Alcolumbre (União-AP), quanto o presidente da Câmara, Hugo Motta, comparecerão pessoalmente ao STF nesta sexta-feira (27), para uma audiência marcada pelo ministro Flávio Dino no curso do processo sobre as emendas parlamentares. E já chegarão com mais um conflito instaurado. Lideranças do PT defendem acionar o STF para questionar a atuação do Congresso Nacional. Técnicos da AGU (Advocacia-Geral da União) avaliam que a derrubada do decreto poderia ser inconstitucional. O art. 49 da Constituição Federal define as competências exclusivas do Congresso Nacional, dentre as quais “sustar os atos normativos do Poder Executivo que exorbitem do poder regulamentar ou dos limites de delegação legislativa” (inciso V). A teoria é que, apesar de impopular, o decreto presidencial não teria extrapolado o poder regulamentar do Executivo. Na prática, bem se sabe que o intuito do decreto não é meramente regulatório, mas sim arrecadatório. Toda a equipe econômica do governo fala da sua necessidade para diminuir o rombo das contas públicas. Essa pode ser uma saída técnica para o governo impor o aumento do IOF, mas antes mesmo de qualquer apreciação pelo Judiciário, já está criando repercussões políticas. A judicialização seria uma verdadeira declaração de guerra entre governo e Congresso, segundo aliados do presidente da Câmara, Hugo Motta. Levar o caso ao STF significaria tentar acuar o Legislativo, apostando no questionável ativismo judicial, quando o Judiciário age de forma mais intervencionista sobre as competências dos demais Poderes. Responsabilidade fiscal deteriorada Percebem-se muitas falhas do governo mesmo antes da tentativa frustrada de aumentar o IOF. A responsabilidade fiscal está sendo consistentemente deteriorada. Há uma insistência em equilibrar as contas públicas aumentando a receita, em vez de cortar despesas. E a única forma de o governo aumentar a receita de forma constante é aumentando a carga tributária, daí ter surgido a ideia de aumento do IOF. Não à toa, o Brasil registrou a maior carga tributária dos últimos 15 anos: 32,3% em 2024. O brasileiro trabalha quase quatro meses em um ano apenas para pagar tributos. Em 2020, havia sido registrado a menor carga tributária dos últimos 15 anos, de 29,02%, ainda no governo Bolsonaro. Os dados são do Ministério da Fazenda. Mais impostos se traduzem em mais inflação, o que força o Banco Central a aumentar os juros (taxa Selic), que freiam o crescimento econômico desejado pelo governo. Assim, governo e Banco Central estão trabalhando um contra o outro, em um ciclo vicioso. E a população colhe os resultados negativos: inflação alta com queda da atividade econômica. Isso significa menos poder de compra e oportunidades para os brasileiros. Impedido de aumentar a tributação e sem querer cortar despesas, as contas públicas estão no vermelho. A dívida pública subiu 12,2% apenas em 2024, superando R$7,3 trilhões. A Instituição Fiscal Independente (IFI) alertou que precisaria haver um contigenciamento de R$75,9 bilhões já no ano que vem, para que o governo possa cumprir o arcabouço fiscal. Na

A tragédia anunciada que nós não queremos ver 

Juliana Marins morreu ao cair de um precipício em um vulcão ativo. Não foi a erupção que a matou, foi a queda — silenciosa, brutal — no meio de uma paisagem hostil, onde cada passo exige mais do que vontade: exige preparo, sorte e estrutura. E estrutura é o que faltava. Não por culpa de um único governo, mas porque ali, naquela geografia crua, o socorro nunca viria com rapidez. Subir um vulcão não é como atravessar a rua. E pedir resgate num lugar assim não é como ligar para o Samu e esperar sirenes em quinze minutos. A demora no salvamento, que tantos apontaram com indignação, é real — mas era também previsível. O local onde Juliana caiu exige dois dias de viagem até que se chegue. A Indonésia não tem uma base de resgate em cada cratera. Esperar que helicópteros apareçam num passe de mágica é confundir a lógica do turismo com a lógica da sobrevivência. Quando você decide caminhar na borda de um vulcão ativo, você assume — ou deveria assumir — que o mundo real não funciona como um roteiro de aventura com final feliz. É cruel, mas é verdade: estava tudo errado desde o começo. Não se trata de culpar a vítima. Não se trata de absolvê-la. Trata-se de olhar a realidade de frente — e essa é a especialidade que menos se pratica hoje. Subir um vulcão ativo, mesmo fora de erupção, em uma região remota, sob condições instáveis, é uma escolha que carrega em si o risco. Ninguém escala a borda de um abismo esperando que ele não exista. Culpar o governo brasileiro, culpar a Indonésia, culpar o tempo de resgate, culpar Deus — é tudo uma tentativa de dar sentido a algo que dói e incomoda. Sim, o socorro demorou. Sim, o país não tem estrutura. Mas essa estrutura precária já existia antes da viagem. A natureza do lugar não mudou de repente. Ela sempre foi inóspita. Vivemos tempos em que toda dor exige um culpado. E o que era para ser uma conversa sobre escolhas e limites se torna uma vitrine de indignações seletivas. O nome de Juliana foi arrastado para o centro de um debate que não é sobre ela — é sobre política, sobre Lula, sobre prioridades. Porque Lula usou um avião da FAB para buscar uma aliada condenada por corrupção, e não moveu o mesmo esforço para resgatar uma jovem caída no meio de um vulcão. Sim, isso está errado. Está profundamente errado. Mas isso não torna o Estado brasileiro responsável pelo translado de corpos de brasileiros mortos no exterior. Não há estrutura para isso — e, mais ainda, não deveria haver. Não por crueldade, mas por realidade. O governo não pode, nem deve, prometer onipresença. A vida moderna nos convenceu de que tudo é acessível, tudo é seguro, tudo tem solução em tempo real. Mas essa é uma ilusão, cara. O SAMU não atende no Himalaia. O 192 não chega em uma ilha do Pacífico. E o botão de pânico das redes sociais não aciona helicópteros. Quando se escolhe o risco, o risco real, é preciso ter consciência de que as consequências também serão reais. Turismo de aventura é, por definição, aventura. E aventura é incerteza. Escalar, atravessar, desafiar — tudo isso pode parecer poético no feed, mas tem um custo. Escorregar num precipício, perder o caminho, sofrer um acidente — isso não é azar, é possibilidade. E quando isso acontece a 2 mil metros de altura, no coração de um vulcão ativo, a ajuda virá — se vier — tarde demais. A morte de Juliana é profundamente triste. Mas tristeza não pode ser argumento para negar os fatos. Não se morre impunemente no meio da natureza selvagem. A selva, o gelo, a lava, o abismo — todos são soberanos. E o ser humano, por mais que se sinta eterno, ainda é só carne. Carne frágil. Desde sempre, desafiamos os limites da vida. Entramos em cavernas, subimos montanhas, mergulhamos nas fossas mais profundas do oceano. É nosso instinto. Há algo de belo nisso, sim. Mas há algo de perigoso também. O que não se pode fazer é ignorar que, às vezes, a morte responde. Juliana Marins não morreu por um erro único. Foi uma soma de fatores. Foi a decisão de escalar. Foi o terreno difícil. Foi a queda. Foi a demora. Foi tudo isso. E, ainda assim, transformar essa tragédia numa pauta para atacar ou defender políticos é diminuir a morte dela a uma utilidade qualquer. O turismo radical em locais extremos virou moda. Um fetiche moderno. Queremos encontrar sentido na beira do abismo. Testar os próprios limites. Registrar a superação. Mas a verdade é que, às vezes, não se volta. Às vezes, o abismo não perdoa. E isso não é culpa de ninguém. Ou é culpa de todos. O luto dos que ficaram é legítimo. A indignação, também. Mas o que se espera da morte de alguém como Juliana não é um culpado — é um espelho. Para que se veja, com clareza brutal, que liberdade inclui o direito de escolher. E que escolher o risco é escolher também a possibilidade de não voltar. Não foi só azar, nem apenas fatalidade — tropeçar e cair é fatalidade, sim, mas acontece especialmente quando se está no precipício de um vulcão ativo. Juliana fez uma escolha arriscada, e foi nessa combinação de decisão e circunstância que o fatal se concretizou. O que fica depois do silêncio e das manchetes não é um mistério existencial, mas uma constatação simples e dura: certas decisões colocam você num lugar onde o erro pode ser fatal. E nenhuma narrativa vai amenizar essa verdade. Juliana Moreira Leite é escritora e jornalista, autora do livro Eu Não Pedi por Nada Disso. Com uma escrita afiada e direta, aborda política, cultura, sociedade, atualidades e fala a verdade que ninguém ousa dizer. É cronista e colunista engajada, conectada com seu público pelo Instagram @juliemilk e pelo canal Chuchu com Caviar no YouTube

Como um comando secreto ucraniano explodiu o gasoduto russo Nord Stream

Uma reportagem investigativa publicada ano passado pela revista Der Spiegel trouxe luz à sabotagem dos gasodutos russos Nord Stream 1 e Nord Stream 2, ocorridos em 26 de setembro de 2022, poucos meses depois da invasão russa à Ucrânia. Segundo a reportagem, a operação secreta foi planejada e executada pela Ucrânia. A reportagem mostra que o comando ucraniano considerava os gasodutos um alvo militarmente legítimo em um conflito armado – em águas internacionais. No dia 26 de setembro de 2022, a cerca de 300 quilômetros do porto de Rostock-Warnemünde, três tubos dos gasodutos russos Nord Stream 1 e Nord Stream 2 explodiram no fundo do Mar Báltico. Há muitos indícios de que os responsáveis pelo maior ato de sabotagem da história da Europa foram, ao todo, cerca de uma dúzia de homens e uma mulher, entre civis e militares. Eles foram contratados e treinados por um grupo experiente em planejamento e execução de operações secretas ucranianas. Alguns membros do grupo teriam antigas conexões com a CIA. A revista passou dois anos investigando a sabotagem em mundos paralelos dos serviços de inteligência, em zonas de guerra e, recentemente, na capital ucraniana, Kiev. A revista conhece as identidades da maioria dos envolvidos, mas decidiu não identificá-los por temer suas eliminações pelos esquadrões de morte russos e ucranianos. As informações fornecidas pelos sabotadores foram verificadas na medida do possível: uma equipe de pesquisa conversou com serviços de inteligência e investigadores ocidentais, com especialistas em mergulho e explosivos, avaliou dados e documentos confidenciais, seguiu rastros na Internet e acessou outras fontes. As suspeitas iniciais recaíram sobre Moscou, e navios russos que navegavam no Mar Báltico antes dos ataques, e sobre os EUA, e possível uso de mergulhadores de combate. Mas está claro agora que o Nord Stream não foi explodido por uma unidade de elite equipada com alta tecnologia, mas por uma tropa heterogênea com um orçamento de menos de 300 mil dólares americanos. Os vestígios levam ao iate “Andrômeda”, que foi abastecido com cilindros contendo explosivos no porto de Wiek, em Rügen, Alemanha. O iate foi fretado por 11.900 euros entre os dias 27 de agosto e 24 de setembro de 2022. Ele possui 15,57 metros de comprimento e 4,61 metros de largura. Tipo Bavaria Cruiser 50. Durante o mês de setembro de 2022, o esquadrão de sabotagem cruzou o Mar Báltico no iate, entre Sandhamn e Rügen, em águas polonesas, alemãs, dinamarquesas e suecas, aguardando o momento certo e o lugar certo: não muito abaixo da superfície do mar e nem muito tráfego marítimo. O local escolhido fica a cerca de 44 quilômetros a nordeste da ilha dinamarquesa de Christiansø, no ponto de coordenadas 55° 32′ 27′′ Norte, 15° 46′ 28,2′′ Leste. No meio do Mar Báltico, lugar isolado, sem balsas, petroleiros e quase nenhum outro marinheiro. Os tubos ficavam a uma profundidade de cerca de 80 metros. Quatro tubos, 1,15 metros de diâmetro interno. Do lado de fora, uma concha de concreto de até onze centímetros de espessura, que os fixava ao fundo do mar. Em seguida, proteção contra corrosão. Debaixo de aço, até quatro centímetros de espessura. Finalmente, um revestimento para que o gás fluísse com menos atrito em sua longa jornada da Rússia para a Alemanha. Tubos triturados, gás de escape O Nord Stream 1 era o gasoduto mais importante do mundo até o dia 26 de setembro de 2022. Às 2h03, uma onda de pressão sacudiu o fundo do Mar Báltico, tão poderosa que os sismógrafos suecos detectaram a centenas de quilômetros de distância. A linha A do Nord Stream 2 foi triturada na costura de conexão entre dois tubos. A cerca de um metro e meio, o tubo inicialmente se abre, mas o gás que escapa aumenta ainda mais o vazamento. Um segundo ataque ocorreu 17 horas depois, às 19h04, o fundo do mar voltou a tremer, desta vez cerca de 75 quilômetros ao norte, bem mais violento, com várias explosões. Acima da água, um trovão surdo teria sido ouvido a muitos quilômetros de distância. Desta vez, os dois tubos do Nord Stream 1 seriam destruídos: Linha A com 200 metros de comprimento, Linha B com 290 metros. Imagens subaquáticas e visualizações 3D baseadas em sonar mostram crateras profundas, montanhas de detritos e restos de tubos apontando obliquamente para cima, dobrados como se fossem apenas canudos. Os gasodutos estão destruídos. O gás russo, a enorme fonte de renda de Moscou e, ao mesmo tempo, um meio de exercer pressão, começava a secar, provavelmente para sempre. Roman Tscherwinsky No final do verão deste ano, a Der Spiegel conseguiu contato com um agente das Forças Especiais, em Kiev, que usou o codinome Andrij. Andrij informa que a operação de sabotagem dos gasodutos russos foi denominada “Diameter”. “O Nord Stream era um alvo militar“, diz o homem. Um ato legítimo de autodefesa, ele repete que eles não queriam prejudicar a Alemanha. Andrij conhece muitos detalhes, mas não foi responsável pelo planejamento e estratégia. Outra pessoa seria responsável por isso. Roman Tscherwinsky, 49, é um herói para muitas pessoas na Ucrânia. Ele pertenceu ao aparato de segurança por anos e foi um dos chefes de contraespionagem do serviço doméstico SBU. Mais tarde, ele mudou para o serviço de inteligência militar HUR. Tscherwinsky foi responsável por ações mais ousadas. Por exemplo, ele quis atrair mercenários da milícia russa Wagner para uma armadilha na Bielorrússia e depois sequestrá-los para a Ucrânia. Para muitos ucranianos, Chervinsky tem sido uma lenda desde que realizou uma operação em 2019. O serviço secreto SBU sequestrou o separatista Vladimir Zemach, que estaria envolvido na queda do voo MH17 da Malaysia Airlines. Tscherwinsky recebeu medalhas e medalhas. Tudo indica que ele também foi o chefe da Operação Diameter. Hoje, o herói está em prisão domiciliar e usa uma tornozeleira. Ele ficou sob custódia por mais de um ano, pois é acusado, em Kiev, de supostamente exceder suas competências, entre outras coisas. O judiciário acusa Chervinsky de tentar fazer com que um piloto de caça russo desertasse, no verão de 2022, sem consulta, em uma ação que

Uma brasileira vivendo sob ataque

Meu nome é Desirée Rugani. Sou brasileira e vivo em Israel. Todos os dias, compartilho informações sobre o que acontece nesta pequena faixa de terra cercada de ameaças e, ao mesmo tempo, repleta de vida, história, fé, cultura e resistência. Quem me acompanha nas redes sociais costuma ver as notícias quando há um ataque: as sirenes soando, as explosões, o Domo de Ferro funcionando, o exército respondendo. Mas poucas pessoas conseguem imaginar o que realmente é viver isso. O que acontece nos minutos que não aparecem na televisão? Como o corpo reage quando, no meio de um dia normal, o som agudo da sirene corta o ar? Como é caminhar em direção ao bunker, ouvir as explosões e tentar manter a calma? Este é um pequeno relato, não apenas de fatos, mas de sensações. O alarme: quando o coração começa a correr antes do corpo A sirene em Israel tem um som muito característico. Ela não soa como um simples aviso. Ela perfura o silêncio. Ela invade a mente. Nos primeiros segundos, há sempre um choque, por mais vezes que já tenhamos passado por isso. O cérebro demora uma fração de segundo para processar: “É real. É agora.” Não importa a hora: pode ser de madrugada, enquanto dormimos; pode ser no meio do almoço; pode ser durante o banho, ou quando você está colocando seu bebê para dormir. O corpo entra em modo automático. É como se todos os sentidos se ligassem ao mesmo tempo: “Onde estou? Quantos segundos tenho? Para onde corro?“ O tempo de resposta varia conforme a cidade. Em algumas regiões, há 90 segundos para chegar ao abrigo. Em outras, especialmente mais próximas das fronteiras, temos apenas 10 segundos. Dez segundos entre a sirene e o possível impacto do míssil. Dez segundos para agarrar o filho, o animal de estimação, as chaves, ou simplesmente correr descalça até o mamad, o bunker doméstico, obrigatório em praticamente todas as residências novas em Israel. Quem não tem esse mamad particular deve ir para os públicos ou para o comunitário do seu prédio. Sempre pelas escadas. Infelizmente, isso causa muitos acidentes pelo pânico. Nesses momentos sempre me lembro dos idosos, doentes e bebês. Mas como funciona ir até o bunker? Correr para o bunker já virou quase um ritual. As crianças aprendem desde cedo a não questionar: ouvir a sirene significa entrar no abrigo. Não há discussão, não há espera. Mesmo os bebês, mesmo os idosos, todos aqui entendem o que significa o “tzeva adom” (alerta vermelho). O som metálico da porta de aço do bunker se fechando traz uma sensação agridoce: de um lado, o alívio de estar em segurança; de outro, o medo do que pode estar por vir nos próximos segundos. Dentro do mamad, o som das explosões é ouvido e conseguimos imaginar o que está acontecendo do lado de fora. Dependendo da distância, o chão vibra. Cada explosão é um pequeno terremoto emocional. Sabemos que muitas dessas explosões são os mísseis sendo interceptados pelo sistema de defesa israelense: Domo de Ferro, Arrow, Patriot, David’s Sling. Mas também sabemos que nem sempre todos são interceptados. E que cada foguete lançado tem um destino intencional: atingir civis. Matar indiscriminadamente. O silêncio dentro do bunker é tenso. Olhamos uns para os outros. Alguns tentam manter a calma com brincadeiras, outros rezam em silêncio e outros cantam. Em alguns momentos, o impacto é tão próximo que o bunker parece tremer. Nessas horas, o pensamento vem automático: “Será que dessa vez escapamos por pouco?” Quando as sirenes cessam e a defesa informa que o perigo imediato passou, abrimos a porta com cautela. Algumas vezes, há fumaça visível ao longe. Outras vezes, seguimos a vida como se nada tivesse acontecido. Mas a mente carrega o peso acumulado de cada episódio. Como se vive com isso? É difícil descrever o que significa viver em constante prontidão. Nos adaptamos. Aprendemos a escolher casas próximas de bunkers, a planejar as atividades do dia pensando em qual seria o abrigo mais próximo, a ensinar as crianças a reagir rápido sem pânico. E, mesmo assim, nunca se torna normal. Israel é um país resiliente. As pessoas aqui têm uma capacidade de seguir em frente impressionante. Depois de cada ataque, há reconstrução, solidariedade, abraços silenciosos entre vizinhos que se encontram na porta do bunker. Há lágrimas escondidas e também sorrisos de alívio. A vida segue mas o trauma fica. O que muitos não veem é o trauma invisível. As crianças que acordam à noite com pesadelos. Os adultos que vivem em estado de alerta permanente. A ansiedade constante ao menor barulho alto, que pode soar como uma nova sirene. O coração vigilante mesmo quando o céu está limpo. Eu, como imigrante brasileira, precisei aprender rápido a viver neste ritmo. Não é fácil. Cada sirene ativa aflições. Cada explosão desperta o instinto primitivo de sobrevivência. Mas também desenvolvi uma força interna que jamais pensei ter. Aqui, a vida é preciosa. Cada dia vivido plenamente é uma vitória. Por que conto essa história? Há quem olhe de longe e pense que Israel vive apenas de conflitos e guerras. Mas há muito mais. Há inovação, ciência, tecnologia, cultura, fé, tradição, diversidade. Há famílias, há crianças sorrindo nos parques, há casamentos, festas, esperança. Há vida. Conto essa história para que o mundo veja além das manchetes frias e entenda a mentalidade e o espírito israelense. E também para que entendam que cada sirene representa famílias correndo, abraços apertados, preces silenciosas e, acima de tudo, um povo determinado a seguir vivendo, apesar de tudo. Quando digo que Israel luta pelo direito de existir, não é uma metáfora. É a realidade diária de milhões de pessoas. Pessoas como eu, como meus vizinhos, de várias nacionalidades e religiões, como as famílias inteiras que descem às pressas para o bunker sempre que a sirene avisa que mais um míssil foi lançado com o único objetivo de matar civis inocentes. Resistir é um ato de vida Cada vez que saímos do bunker e seguimos a vida, estamos

Rearmar ou perecer: a corrida armamentista da União Europeia contra a Rússia

Nos últimos meses, lideranças europeias intensificaram o discurso e os planos de ampliar significativamente os gastos com defesa e a produção de armas no continente — em resposta direta às crescentes tensões com a Rússia, à aparente reorientação dos EUA na OTAN e às lições duras extraídas do apoio à Ucrânia. Entretanto, essa ambição esbarra em questões complexas: orçamentárias, estruturais, políticas e industriais. Entre 2021 e 2024, os gastos militares dos países da União Europeia cresceram em mais de 30%, passando de €214 bilhões para aproximadamente €326 bilhões — quase 1,9% do PIB do bloco, com previsão de ultrapassar os 2,0% em 2025. Parte significativa desse montante (30%) foi direcionada para investimento em equipamentos, avaliados em cerca de €102 bilhões em 2024. O crescimento é especialmente expressivo em alguns países: a Bélgica planeja elevar os gastos para 2% do PIB até meados de 2025; a Dinamarca passou de 2,4% para 3,0%; enquanto a França estendeu seu orçamento militar de €295 bilhões para €413 bilhões entre 2019 e 2025. Readiness 2030 Adicionalmente ao empenho nacional, foi lançado o programa “Readiness 2030” (antigo “ReArm Europe”), que soma até €800 bilhões em potencial mobilização de recursos — incluindo flexibilidade no pacto de estabilidade, empréstimos de até €150 bilhões do EIB, realocações de fundos estruturais da UE e incentivos à participação privada. O programa atende a uma convergência de percepções geopolíticas. A invasão da Ucrânia e a crescente militarização russa — que consome cerca de 7% do PIB — evidenciam a necessidade de capacidades modernas. O temor de que os EUA reduzam seu envolvimento na OTAN, especialmente sob futuras administrações menos comprometidas com alianças multilaterais, intensifica o senso de urgência. A proposta do premiê holandês Mark Rutte de elevar os gastos totais para 5% do PIB, sendo 3,5% militares e 1,5% destinados a infraestrutura logística dual-use, sintetiza essa visão de maior autonomia e prontidão. Ineficiências A dificuldade de fornecer munição, drones e artilharia à Ucrânia mostrou que a capacidade industrial europeia é insuficiente e fragmentada. A UE possui cerca de 4.000 empresas de defesa, muitas pequenas, com pouca coordenação entre si. Países usam dezenas de plataformas diferentes — a Europa conta com 178 sistemas principais contra cerca de 30 nos EUA. Isso gera ineficiências, altos custos de manutenção e limitações na interoperabilidade. A dependência de matérias-primas críticas e tecnologias como chips e estabilizadores expõe a Europa a riscos externos. A indústria depende de componentes importados — ainda mais em momentos de escassez mundial. Os sistemas europeus de defesa têm baixas cadências de produção — muitos programas operam no nível de dezenas de unidades, onde os EUA produzem centenas. Sem compromissos duradouros e previsíveis, com ordens de compra que se estendam até 2030 ou além, será quase impossível convencer o setor privado a expandir sua capacidade produtiva de forma robusta. Muitos países, como Itália e Espanha, enfrentam pressões fiscais e dificuldades em aumentar o orçamento de defesa sem comprometer investimentos sociais e estabilidade macroeconômica. A Alemanha, por sua vez, criou um fundo extraordinário de €100 bilhões para modernizar suas Forças Armadas, mas seu uso tem prazo limitado e enfrenta entraves burocráticos. O governo e o setor europeu, contudo, vêm adotando medidas simultâneas para superar essas barreiras. A Estratégia Industrial de Defesa Europeia (EDIS) prevê apoio a joint ventures em grandes plataformas, padronização de sistemas e até uma espécie de “Foreign Military Sales” europeu. O Programa Industrial de Defesa (EDIP) oferece €1,5 bilhão em subvenções até 2027. Entre 2021 e 2027, o Fundo Europeu de Defesa (EDF) destina €8 bilhões para pesquisas e desenvolvimento de tecnologias militares — metade a projetos colaborativos e metade à pesquisa estratégica. A proposta Readiness 2030 busca flexibilizar regras de déficit, criar novos mecanismos de financiamento, redirecionar fundos estruturais e envolver capital privado em um esforço amplo de fomento industrial. Países como França, Alemanha, Polônia e Finlândia já anunciaram orçamentos significativamente maiores. A França prevê um aumento de 39% nos investimentos entre 2019 e 2025. A Polônia investe até 4,7% do PIB em defesa, enquanto Finlândia e Suécia aceleram seus planos de modernização com foco em interoperabilidade com a OTAN. Investimentos em infraestrutura são priorizados, com cerca de €75 bilhões dedicados à modernização de portos, estradas e redes ferroviárias adaptadas a exigências militares. A mobilidade militar é hoje vista como fator essencial para a dissuasão rápida e eficiente diante de uma ameaça. Divergências políticas internas Os próximos passos, contudo, esbarram em divergências políticas internas. Cada país possui sua própria política de defesa — como a Espanha, que rejeita a meta de 5% do PIB e prioriza políticas sociais. Muitos alertam que a austeridade fiscal colocará freios no entusiasmo, e dívidas públicas elevadas de países como França e Itália limitam sua capacidade de absorver gastos crescentes. Há ainda a resistência de indústrias nacionais em abrir mão de mercados protegidos e se integrar em grandes consórcios multinacionais, o que dificulta a consolidação do setor. Mesmo com investimentos crescentes, construir sistemas integrados e interoperáveis para todos os exércitos da UE levará tempo, esforço político e técnico. Caso bem-sucedida, a estratégia europeia trará múltiplos reflexos positivos. A Europa poderá reduzir sua dependência de materiais e tecnologia estrangeira, criando autonomia em setores como mísseis, drones, radares e satélites. Com orçamentos ampliados, o continente poderá atrair investimentos em áreas de dupla utilização (civil-militar), como inteligência artificial, cibersegurança e comunicações quânticas. A modernização da infraestrutura logística dual-use também permitirá respostas mais rápidas a crises regionais e reduzirá os gargalos em caso de conflito armado. O impulson da inovação tecnológica de defesa A indústria de defesa europeia já emprega mais de 580 mil pessoas, número que tende a crescer com os novos projetos. A inovação tecnológica impulsionada pela defesa também impactará setores civis, como transporte, energia e comunicações. Em paralelo, o fortalecimento da capacidade de defesa reforça o papel geopolítico da UE em um mundo multipolar. Contudo, tudo dependerá da execução prática. A fragmentação persistente, as restrições orçamentárias e a hesitação política podem comprometer o objetivo de construir uma defesa europeia robusta até 2030. O destino da estratégia militar continental

Diário do Arbítrio: Moraes manda investigar juiz que discordou dele

Foi no final do século XIX que o ilustre jurista Ruy Barbosa defendeu uma de suas mais notáveis teses. Arguindo no Supremo Tribunal Federal, Barbosa conseguiu a absolvição do juiz gaúcho Alcides de Mendonça Lima da acusação de prevaricação. Lima era acusado de proceder contra a literal disposição da lei — e de fato o havia feito. Na época, os estados tinham seus próprios códigos processuais, e o Rio Grande do Sul havia editado o seu para que o tribunal do júri, entre outras coisas, passasse do voto secreto para o aberto. Lima declarou a mudança inconstitucional e presidiu um júri no formato antigo. No STF, o jurista baiano defendeu que nenhum juiz poderia ser alvo de ação penal por exercer sua jurisdição. Desde então, passou-se a considerar um absurdo a persecução de um magistrado por mera discordância de entendimento jurídico. De fato, em 2019, quando ministros do Supremo foram alvos de processos de impeachment por terem criado o crime de transfobia — fazendo uma analogia em prejuízo do réu, ao equiparar racismo à transfobia e romper com a doutrina vigente de que não existe crime sem lei anterior que o defina —, algo até então inédito no direito brasileiro, o então presidente Dias Toffoli e o ministro decano e também um dos alvos do processo, Celso de Mello, interromperam a sessão para se defender, citando justamente Ruy Barbosa. Um dos alvos do pedido de impeachment foi o ministro Alexandre de Moraes, que, apesar de ter se protegido sob o manto de Ruy Barbosa para criar um crime por analogia, não pensou duas vezes em mandar investigar juízes que deram decisões que contrariavam as suas. Em 2024, o juiz federal José Jácomo Gimenes, da comarca de Maringá, deu ganho de causa ao ex-deputado estadual Homero Marchese. A condenação de R$ 20 mil imposta à União despertou a fúria de Moraes. Gimenes reconheceu que, ao não justificar o bloqueio das redes sociais de Marchese e não desbloquear seu Instagram por meses — mesmo quando suas outras redes já haviam sido desbloqueadas —, a União havia incorrido em dano contra o ex-deputado. Avisado pela Advocacia-Geral da União do resultado do julgamento, Moraes cassou a decisão do juiz federal e ordenou que o Conselho Nacional de Justiça investigasse o magistrado. No final do ano, o CNJ arquivou a investigação, mas o recado era claro: discordar de Moraes pode custar caro — como está descobrindo o juiz Lourenço Migliorini Fonseca Ribeiro, da Vara de Execuções Penais de Uberlândia (MG). Na última semana, Lourenço recebeu um pedido de progressão de pena como tantos outros que chegam à vara. Nas Varas de Execução Penal, o espaço discricionário do juiz costuma ser menor do que em outras áreas da Justiça. A construção jurisprudencial do direito brasileiro faz com que, se as condições para progressão ou benefício estiverem sendo cumpridas, não haja muita escolha sobre o que fazer. De tal forma que, por exemplo, se um apenado tiver “direito” a progredir para o regime semiaberto e não houver estabelecimentos prisionais adequados ou sequer tornozeleira eletrônica, ele deve ser simplesmente solto — veja como essa decisão do STF foi celebrada à época. É provável que, ao receber o pedido de Antônio Alves Cláudio Ferreira, o juiz Lourenço sequer tenha associado o nome à figura. E fez muito bem. Afinal, aprende-se nas aulas de Direito que processos não devem ter capa. Se Antônio é o homem que se tornou nacionalmente conhecido por quebrar um relógio durante o 8 de Janeiro, isso é irrelevante para seu pedido. O que importa é se os requisitos para progressão existem. Se existem, ela deve ser concedida. É isso que se aprende nas aulas de Direito. É isso que repetidas decisões de tribunais superiores determinam. Mas é justamente esse entendimento que fez Moraes abrir uma investigação contra o juiz Lourenço. É natural que Moraes discorde de outros juízes. É natural até que ele reforme suas decisões. Mas é completamente inédito, mesmo para o Direito brasileiro, que um ministro do Supremo Tribunal Federal (ou de qualquer outro tribunal) acumule no mesmo processo os cargos de presidente do inquérito, relator, vítima, denunciante e, agora, corregedor de tribunais Brasil afora. O arbítrio não se encerra na abertura de um procedimento por “crime de hermenêutica“, mas se estende até Moraes declarar que a conduta do juiz deve ser apurada pelo próprio STF. Ao que tudo indica, o ministro quer garantir que o caso não termine em arquivamento, como ocorreu com o juiz anterior. Usualmente vocais para defender interesses particulares, as associações de magistrados permanecem caladas. Se são ágeis para garantir licenças-prêmio, remunerações acima de cem mil reais, e lutar para que não percam suas carreiras juízes que cometeram erros tão bárbaros quanto enviar uma adolescente de 16 anos para uma cela com mais de 30 homens, ninguém parece ter saído em defesa do juiz Lourenço. Ele deveria saber que não há crime pior do que discordar do Imperador.

Conheça a diferença entre um programa nuclear pacífico no Oriente Médio e o do Irã

O programa nuclear dos Emirados Árabes Unidos (EAU) é um exemplo notável de como a energia nuclear pode ser desenvolvida de forma pacífica, transparente e sustentável, mesmo em uma região marcada por tensões geopolíticas como o Oriente Médio. Com o objetivo de diversificar sua matriz energética, garantir segurança energética e contribuir para a redução de emissões de carbono, os EAU construíram um programa que combina tecnologia avançada, cooperação internacional e um compromisso firme com a não proliferação. Este artigo explora os principais aspectos do programa nuclear emiradense, destacando sua usina de Barakah, suas políticas de transparência e seu impacto econômico e ambiental, demonstrando que é possível implementar um programa nuclear legitimamente pacífico em um contexto regional complexo. A necessidade de energia nuclear Os Emirados Árabes Unidos, conhecidos por suas vastas reservas de petróleo e gás, enfrentaram nas últimas décadas um aumento significativo na demanda por eletricidade, impulsionado pelo crescimento econômico, populacional e pela necessidade de suportar infraestrutura intensiva em energia, como sistemas de ar condicionado e plantas de dessalinização. Além disso, o país possui uma das maiores pegadas de carbono per capita do mundo, o que o levou a buscar fontes de energia mais limpas para alinhar-se às metas climáticas globais, como o Acordo de Paris e a Estratégia de Energia 2050, que visa emissões líquidas zero até 2050. Nesse cenário, a energia nuclear emergiu como uma solução estratégica. Capaz de fornecer eletricidade estável em grande escala, a energia nuclear é ideal para atender às demandas energéticas do país sem depender exclusivamente de combustíveis fósseis. Em 2006, os EAU iniciaram estudos para explorar a viabilidade da energia nuclear, culminando na criação da Emirates Nuclear Energy Corporation (ENEC) em 2009. A ENEC foi encarregada de liderar o programa, com a usina nuclear de Barakah, localizada na região de Al Dhafra, em Abu Dhabi, como o projeto central. A escolha do local foi estratégica, aproveitando a proximidade com o Golfo Pérsico para facilitar logística e acesso a recursos hídricos. A Usina de Barakah A usina nuclear de Barakah é o coração do programa nuclear dos EAU. Composta por quatro reatores APR-1400, cada um com capacidade de 1.400 MW, a usina totaliza 5.600 MW de potência, fornecendo até 25% da eletricidade consumida no país. A construção começou em 2012, com o primeiro reator conectado à rede em 2020 e o quarto entrando em operação comercial em 2024, marcando a conclusão do projeto. Operada pela Nawah Energy Company, uma joint venture entre a ENEC e parceiros internacionais, a usina incorpora tecnologia avançada de segurança, incluindo sistemas de resfriamento passivo que permitem operação segura por até 72 horas sem intervenção humana e estruturas de contenção robustas para resistir a impactos externos. O impacto ambiental de Barakah é significativo. Produzindo 40 terawatts-hora (TWh) de eletricidade limpa por ano, a usina evita a emissão de 22,4 milhões de toneladas de dióxido de carbono (CO2) anualmente, o equivalente a retirar 4,8 milhões de carros das estradas. Esse desempenho posiciona Barakah como a maior fonte de energia limpa dos EAU, contribuindo diretamente para as metas de descarbonização do país. A energia nuclear, ao contrário de fontes intermitentes como solar ou eólica, oferece fornecimento constante, essencial para suportar a infraestrutura energética dos EAU, incluindo a dessalinização de água, vital em uma região árida. Compromisso com a não proliferação Um dos pilares do programa nuclear dos EAU é seu compromisso com o uso estritamente pacífico da energia nuclear, reforçado por políticas de transparência e adesão a normas internacionais. O país é signatário do Tratado de Não Proliferação de Armas Nucleares (TNP) desde 1995, um acordo que proíbe o desenvolvimento de armas nucleares e exige cooperação com a Agência Internacional de Energia Atômica (AIEA) para verificação. Em 2010, os EAU adotaram o Protocolo Adicional da AIEA, que amplia o acesso da agência a informações e instalações, permitindo inspeções mais detalhadas para garantir que não haja atividades nucleares não declaradas. Um diferencial marcante do programa é a adoção da chamada “cláusula de ouro“, formalizada em uma lei federal de 2009, que proíbe o enriquecimento de urânio e o reprocessamento de combustível nuclear no território emiradense. Essas atividades, que poderiam ser usadas para produzir materiais físseis para armas nucleares, foram descartadas para eliminar qualquer risco de proliferação. Essa política contrasta com outros programas regionais e reforça a credibilidade dos EAU perante a comunidade internacional. A AIEA reconheceu esse compromisso, concedendo ao país a “Conclusão Mais Ampla” por vários anos consecutivos, um selo que confirma que todo material nuclear declarado é usado exclusivamente para fins pacíficos. Cooperação internacional O sucesso do programa nuclear dos EAU é sustentado por uma rede robusta de parcerias internacionais. Um marco importante é o Acordo 123 com os Estados Unidos, assinado em 2009, que facilita a transferência de tecnologia nuclear sob condições rigorosas de não proliferação. Esse acordo, conhecido como “padrão ouro“, reflete o compromisso dos EAU de manter seu programa dentro dos mais altos padrões de segurança e transparência. Além dos EUA, os EAU estabeleceram colaborações com países como Coreia do Sul, responsável pela construção de Barakah por meio da Korea Electric Power Corporation (KEPCO), além de França, Japão, Canadá e Rússia. Essas parcerias trouxeram expertise técnica, equipamentos e treinamento, garantindo a operação segura e eficiente da usina. A AIEA também desempenha um papel central, supervisionando o programa e elogiando a abordagem dos EAU. A agência destacou a usina de Barakah como um exemplo de como a energia nuclear pode ser implementada com responsabilidade, servindo como referência para outros países. A participação dos EAU em organizações como a Associação Mundial de Operadores Nucleares (WANO) reforça seu compromisso com padrões globais de segurança e operação. Além da Energia O programa nuclear dos EAU vai além da geração de eletricidade, trazendo benefícios econômicos e sociais significativos. A construção de Barakah gerou milhares de empregos diretos e indiretos, impulsionando setores como engenharia, construção e serviços. A produção de eletricidade no país permite que os EAU exportem mais petróleo e gás, aumentando suas receitas e fortalecendo sua posição econômica. Além disso, a

Sionismo é Nazismo?

Nas redes sociais, é comum encontrar postagens que equiparam o sionismo ao nazismo, com o objetivo de insultar Israel, acusado de práticas como limpeza étnica em Gaza e de suposta colaboração com os nazistas por meio de acordos como o Haavara. Essa comparação, porém, é válida? Este texto analisa os argumentos apresentados e verifica se há fundamento na equiparação entre sionismo e nazismo, com base no documento fornecido. O sionismo político, conforme descrito, é a crença na possibilidade de existência e manutenção de um Estado judaico, fundado e mantido por judeus. Essa é a essência do sionismo: a convicção de que um Estado caracteristicamente judaico é viável. Por outro lado, o nazismo tinha como núcleo o antissemitismo, uma ideologia que considerava os judeus uma ameaça existencial à humanidade, especialmente à suposta superioridade da raça ariana. Para avaliar a comparação, é necessário examinar se o pensamento antissemita nazista se alinha com os fundamentos do sionismo. O antissemitismo era central ao nazismo O antissemitismo era central ao nazismo. Alfred Rosenberg, um dos principais ideólogos nazistas, desenvolveu a teoria de uma conspiração judaica global, inspirado pelo documento falso Protocolos dos Sábios de Sião. Segundo Rosenberg, os judeus promoviam sua dominação por meio do bolchevismo e do sionismo internacional. Ele acreditava que os judeus não tinham capacidade nem intenção de criar um Estado no sentido europeu, mas usariam um suposto “Estado” judaico para expandir sua exploração: “devido a condição de explorador da cultura ariana, o ‘Estado’ judeu apenas serviria para ampliar a exploração e avançar a dominação do mundo“.[1] Hitler, influenciado por Rosenberg, adotou uma visão social-darwinista que enfatizava a superioridade da raça ariana, determinada por fatores genéticos: “Em primeiro lugar, o valor inteiro de um povo, que passa de geração em geração como herança e genótipo – valor que só sofre alteração quando o portador dessa herança, o próprio povo, muda em termos de sua composição genética. É certo que os traços individuais de caráter, as virtudes individuais e os vícios individuais sempre se repetem nos povos enquanto sua natureza interior, sua composição genética, não sofre nenhuma mudança essencial“.[2] Para Hitler, os arianos desenvolveram características altruístas e laboriosas devido às duras condições do Norte: “Podemos ver essa dificuldade no início da pré-história, sobretudo na parte Norte do mundo, naqueles enormes desertos de gelo onde apenas a existência mais escassa era possível. Aqui, os homens foram forçados a lutar por sua existência, por coisas que estavam, no sorridente Sul, disponíveis sem trabalho e em abundância. O Norte forçou os homens a continuarem suas atividades de produção de roupas e construção de residências. Primeiro, eram cavernas simples, depois cabanas e casas. Em suma, ele criou um princípio, o princípio do trabalho“.[3] Claramente, para Hitler, o ariano desenvolveu uma genética “altruísta“, onde o indivíduo ariano prontamente se sacrificava pela sua coletividade e amava o trabalho pelo trabalho, motivo pelo qual o capacitava para criar uma cultura e fundar e manter Estados. Tal juízo social-darwinista foi igualmente reforçado no infame Mein Kampf. O ariano se desenvolveu para trabalhar e criar comunidades, cultura e Estados, e o judeu para furtar, enganar e explorar o trabalho e a cultura do ariano. A antítese Em contraste, Hitler via os judeus como a antítese dos arianos. Ele acreditava que os judeus, evoluídos em condições diferentes, desenvolveram traços egoístas e parasitários: “O ariano entende o trabalho como a base para a preservação da comunidade do povo, o judeu o vê como um meio de explorar outros povos… Não importa se esse indivíduo judeu é ‘decente’ ou não. Ele traz dentro de si os traços de caráter que a natureza lhe deu, e nunca pode se livrar disso“.[4] Hitler, claramente, cria uma oposição irreconciliável entre a raça ariana e a judaica porque o que não apenas as separava, mas as colocava numa rota de colisão, eram as respectivas características genéticas de cada uma, desenvolvidas durante milhares de anos e, por isso mesmo, inexpugnáveis. O ariano se desenvolveu para trabalhar e criar comunidades, cultura e Estados, e o judeu para furtar, enganar e explorar o trabalho e a cultura do ariano. O mito histórico de Hitler, motivado pela ideologia racial, sobre a missão cultural da humanidade ariana encontrou sua complementação no contramito da “missão mundial” judaica. De acordo com as características essenciais atribuídas por Hitler ao judaísmo, essa “missão” da raça judaica, no entanto, não poderia ter um caráter de construção cultural ou formação de Estados, mas apenas um caráter de destruição cultural e de subversão dos Estados. Para Hitler, portanto, o judaísmo se destacava por uma falta de todas as características que qualificavam a raça ariana para a atividade cultural e a criatividade intelectual: incapacidade de pensar de forma inovadora; interpretação do fenômeno do “trabalho” como uma mera tarefa material para satisfazer necessidades e interesses pessoais; tendência a um estilo de vida “parasitário” às custas de outras nações; — esses eram os traços de caráter preferencialmente citados por Hitler para caracterizar a “contra-raça” judaica.[5] É uma evolução considerável da mera “conspiração judaica” como percebida por Rosenberg ou outros antissemitas vulgares, mas uma visão histórica dualista na qual o “bem” e o “mal” encontravam-se perfeitamente delineados nas duas raças antitéticas em conflito. O arianismo e o judaísmo estavam interligados de forma complementar, assim como ação e reação, tese e antítese, formando um curso histórico que obteve “sua verdadeira dinâmica por meio da relação dialética entre dois princípios mundiais antagonistas [arianismo x judaísmo]”, cuja resolução se daria apenas com a “indubitável aniquilação do envenenador povo judeu“.[6] O pensamento antissemita de Hitler alcançou seu ápice numa interpretação histórica na qual as duas raças antitéticas estavam em rota de colisão inevitável. De um lado, os arianos, a raça criadora da cultura, da civilização e mantenedora do Estado; do outro, os judeus, os exploradores egoístas que dependiam da espoliação dos bens culturais arianos para sobreviverem. O desenlace desse embate apocalíptico decidiria o destino da civilização humana: caso os arianos perdessem, a civilização e a cultura estariam perdidas. Incompatíveis Agora, tendo em mente a base do radical, social-darwinista

EUA atacam 3 bases nucleares do Irã: conheça o B-2, a aeronave envolvida no ataque

Durante este sábado (21), o trânsito de seis Bombardeiros B-2 dos EUA, entre Diego Garcia e uma base estratégica no Oceano Índico, despertou grande atenção, gerando especulação sobre a possibilidade de que ocorresse um ataque ao Irã. Aquilo que foi especulado durante o dia se confirmou agora a noite. O presidente Donald Trump comunicou na sua rede social: “𝐶𝑜𝑛𝑐𝑙𝑢𝑖́𝑚𝑜𝑠 𝑛𝑜𝑠𝑠𝑜 𝑎𝑡𝑎𝑞𝑢𝑒 𝑏𝑒𝑚-𝑠𝑢𝑐𝑒𝑑𝑖𝑑𝑜 𝑎̀𝑠 𝑡𝑟𝑒̂𝑠 𝑖𝑛𝑠𝑡𝑎𝑙𝑎𝑐̧𝑜̃𝑒𝑠 𝑛𝑢𝑐𝑙𝑒𝑎𝑟𝑒𝑠 𝑛𝑜 𝐼𝑟𝑎̃, 𝑖𝑛𝑐𝑙𝑢𝑖𝑛𝑑𝑜 𝐹𝑜𝑟𝑑𝑜𝑤, 𝑁𝑎𝑡𝑎𝑛𝑧 𝑒 𝐸𝑠𝑓𝑎ℎ𝑎𝑛. 𝑇𝑜𝑑𝑜𝑠 𝑜𝑠 𝑎𝑣𝑖𝑜̃𝑒𝑠 𝑒𝑠𝑡𝑎̃𝑜 𝑎𝑔𝑜𝑟𝑎 𝑓𝑜𝑟𝑎 𝑑𝑜 𝑒𝑠𝑝𝑎𝑐̧𝑜 𝑎𝑒́𝑟𝑒𝑜 𝑖𝑟𝑎𝑛𝑖𝑎𝑛𝑜. 𝑈𝑚𝑎 𝑐𝑎𝑟𝑔𝑎 𝑐𝑜𝑚𝑝𝑙𝑒𝑡𝑎 𝑑𝑒 𝐵𝑂𝑀𝐵𝐴𝑆 𝑓𝑜𝑖 𝑙𝑎𝑛𝑐̧𝑎𝑑𝑎 𝑛𝑎 𝑖𝑛𝑠𝑡𝑎𝑙𝑎𝑐̧𝑎̃𝑜 𝑝𝑟𝑖𝑛𝑐𝑖𝑝𝑎𝑙, 𝐹𝑜𝑟𝑑𝑜𝑤. 𝑇𝑜𝑑𝑜𝑠 𝑜𝑠 𝑎𝑣𝑖𝑜̃𝑒𝑠 𝑒𝑠𝑡𝑎̃𝑜 𝑒𝑚 𝑠𝑒𝑔𝑢𝑟𝑎𝑛𝑐̧𝑎 𝑎 𝑐𝑎𝑚𝑖𝑛ℎ𝑜 𝑑𝑒 𝑐𝑎𝑠𝑎. 𝑃𝑎𝑟𝑎𝑏𝑒́𝑛𝑠 𝑎𝑜𝑠 𝑛𝑜𝑠𝑠𝑜𝑠 𝑔𝑟𝑎𝑛𝑑𝑒𝑠 𝑔𝑢𝑒𝑟𝑟𝑒𝑖𝑟𝑜𝑠 𝑎𝑚𝑒𝑟𝑖𝑐𝑎𝑛𝑜𝑠. 𝑁𝑎̃𝑜 ℎ𝑎́ 𝑜𝑢𝑡𝑟𝑜 𝑒𝑥𝑒́𝑟𝑐𝑖𝑡𝑜 𝑛𝑜 𝑚𝑢𝑛𝑑𝑜 𝑞𝑢𝑒 𝑝𝑢𝑑𝑒𝑠𝑠𝑒 𝑡𝑒𝑟 𝑓𝑒𝑖𝑡𝑜 𝑖𝑠𝑠𝑜. 𝐴𝐺𝑂𝑅𝐴 𝐸́ 𝐴 𝐻𝑂𝑅𝐴 𝐷𝐴 𝑃𝐴𝑍! 𝐴𝑔𝑟𝑎𝑑𝑒𝑐𝑒𝑚𝑜𝑠 𝑎 𝑠𝑢𝑎 𝑎𝑡𝑒𝑛𝑐̧𝑎̃𝑜 𝑎 𝑒𝑠𝑡𝑒 𝑎𝑠𝑠𝑢𝑛𝑡𝑜.” O B-2 Spirit é o principal vetor de lançamento da gigantesca bomba GBU-57A/B Massive Ordnance Penetrator (MOP), uma das armas mais avançadas em termos de capacidade de penetração e destruição de alvos profundamente enterrados. Recentemente, discussões em fóruns digitais e análises de especialistas destacaram a relevância dessa dupla no contexto das tensões entre Israel e Irã, especialmente em relação à infraestrutura nuclear iraniana. Leia mais: Fordow: o bunker nuclear iraniano que só uma super bomba americana pode destruir – Danuzio B-2 Spirit O bombardeiro B-2 Spirit, desenvolvido pelos Estados Unidos, é uma das aeronaves mais avançadas do mundo, com fortes características stealth (baixa probabilidade de detecção por sistemas de radar inimigos). Com um design de asa voadora e materiais compostos que absorvem radiação eletromagnética, o B-2 é pouco visível nos radares convencionais, permitindo-lhe penetrar defesas aéreas densas e atingir alvos em profundidade territorial. Sua autonomia de voo é impressionante, capaz de percorrer até 11.000 quilômetros sem reabastecimento, tornando-o ideal para missões de longo alcance. Entretanto, quando ele transporta cargas pesadas, seu alcance pode diminuir drasticamente, exigindo o apoio de aeronaves de REVO (reabastecimento em voo), como os KC-135 Stratotanker, KC-10 Extender e KC-46 Pegasus. GBU-57 A GBU-57A/B, por sua vez, é uma bomba de precisão projetada para ser “bunker buster“, ou seja, destruir bunkers e instalações nucleares profundamente enterradas. Com um peso de aproximadamente 13.600 kg, ela é capaz de perfurar até 60 metros de concreto de alta resistência antes de detonar. Sua precisão é garantida por um sistema de orientação avançado, que permite atingir alvos específicos com mínima margem de erro. Essa característica a torna uma ferramenta estratégica crucial em operações militares contra instalações subterrâneas, como as instalações nucleares iranianas, localizadas a profundidades que desafiam armas convencionais. Relevância na guerra entre Irã e Israel O contexto geopolítico em que essa tecnologia emerge é marcado por tensões regionais intensas. Recentemente, Israel realizou uma série de ataques aéreos contra instalações nucleares iranianas, em ações necessárias para neutralizar ameaças à sua segurança nacional. A eficácia da combinação do B-2 com a GBU-57A/B nesse tipo de operação é amplamente debatida. Embora a capacidade de penetração da bomba seja impressionante, há questionamentos sobre sua habilidade de destruir alvos localizados a profundidades extremas, como as instalações de Fordow e Natanz, que podem estar a mais de 80 metros abaixo da superfície. O B-2, ao carregar até duas unidades da GBU-57A/B, amplia significativamente o alcance e a precisão dessas operações. Países que possuem tais tecnologias adquirem uma vantagem estratégica significativa, capaz de influenciar não apenas operações militares, mas também negociações diplomáticas. A mera existência de tal armamento, combinada com a capacidade de lançá-lo com o B-2 em qualquer ponto do globo, serve como um poderoso elemento dissuasório, alterando o cálculo de riscos por parte de potenciais adversários. Além disso, a integração entre o B-2 e a GBU-57A/B reforça a superioridade tecnológica dos Estados Unidos no domínio aéreo. O B-2 é capaz de voar longas distâncias sem ser detectado, carregar cargas pesadas e operar em condições adversas, enquanto a GBU-57A/B proporciona a capacidade de destruir alvos que seriam inatingíveis por outros meios. Essa sinergia é particularmente relevante em cenários onde a distância e a defesa antiaérea representam desafios significativos, como no caso de operações contra o Irã a partir de Diego Garcia, a mais de 3.500 quilômetros de distância. No entanto, o uso dessa tecnologia não está isento de controvérsias. Críticos argumentam que armas como a GBU-57A/B, lançadas por plataformas como o B-2, podem escalar conflitos regionais, aumentando a probabilidade de respostas retaliatórias e prolongando ciclos de violência. A discussão sobre o B-2 e a GBU-57A/B também reflete um padrão mais amplo na geopolítica contemporânea: a militarização da tecnologia e sua influência nas relações internacionais. Países como a Turquia, mencionados em análises recentes, também estão desenvolvendo suas próprias versões de “bunker busters” e plataformas stealth, indicando uma tendência global de proliferação de tecnologias de alta precisão. Essa proliferação pode alterar o equilíbrio de poder em regiões instáveis, como o Oriente Médio, onde a posse de armas avançadas frequentemente se traduz em maior influência política e militar. A combinação do bombardeiro B-2 Spirit com a bomba GBU-57A/B Massive Ordnance Penetrator representa um marco na evolução da tecnologia militar, com implicações profundas para a geopolítica global. Sua capacidade de destruir alvos profundamente enterrados, combinada com a invisibilidade e alcance global do B-2, a torna uma ferramenta estratégica crucial, mas também um elemento de tensão em um mundo já marcado por conflitos regionais e rivalidades nucleares. À medida que a tecnologia continua a avançar, é imperativo que líderes globais e especialistas em segurança nacional considerem não apenas as capacidades táticas dessas armas, mas também suas consequências estratégicas e éticas. O futuro da estabilidade global dependerá, em grande parte, da forma como essas tecnologias são empregadas e reguladas. ATUALIZAÇÕES: Israelenses estimam que Natanz foi completamente destruída, e aguardam confirmação sobre Fordow e Isfahan. Acredita-se que o urânio enriquecido estava em Natanz e Isfahan, e que a grande maioria dele não foi retirada dos locais, estando, portanto, presente no momento do ataque. Se o urânio não foi destruído — o programa nuclear retrocedeu anos. Se foi destruído — o programa nuclear foi, em termos práticos, eliminado.

Distopia Moderna: democracias seduzidas pelo Totalitarismo

Daniela Russowsky Raad, associada do Instituto de Estudos Empresariais (IEE) e presidente da Federação Israelita do RS O Oriente Médio vive uma guerra anunciada há décadas, mas que escancara uma polarização impensável em pleno século 21. Uma verdadeira distopia contemporânea, em que sociedades livres – outrora firmes em seus valores – se veem seduzidas por ideais totalitários travestidos de discursos de justiça. A guerra entre Israel e Irã não é apenas geopolítica: é reveladora dos maiores dilemas morais do nosso tempo. Israel, uma democracia em meio a regimes teocráticos e ditatoriais, é o único Estado judeu do mundo, com cerca de 10 milhões de habitantes. Concretização do ideal sionista, Israel surgiu após o exílio milenar do povo judeu e mantém uma conexão ancestral com sua terra, datada de mais de três mil anos. Hoje é reconhecido como a “Startup Nation”, com a maior densidade de inovações tecnológicas do planeta. Desde a independência, Israel travou guerras existenciais com países árabes que rejeitavam sua criação. Com o tempo, no entanto, vários desses países passaram a aceitar a realidade israelense, como Egito, Jordânia, Emirados Árabes Unidos e Bahrein, que assinaram tratados de paz e entenderam o benefício da cooperação e do progresso conjunto. Por outro lado, a resistência à existência do pequeno Estado judeu, verdadeiramente democrático, na região é fato inconcebível para determinados grupos radicais islâmicos que, desde muito antes de sua fundação, pregavam a instalação de um regime teocrático islâmico único. É o caso da Irmandade Muçulmana, fundada em 1928, no Egito, e banida dos países árabes em razão de suas ideias radicais e ações violentas. A destruição de Israel segue sendo o objetivo primordial de grupos terroristas como Hamas, Hezbollah e Al-Qaeda – todos unidos por um ponto em comum: a República Islâmica do Irã. Os iranianos são ancestrais da sua terra, tais quais os judeus. Antes da Revolução Islâmica, o Irã – historicamente conhecido como Pérsia, e hoje com cerca de 90 milhões de habitantes – vivia um processo de modernização. Mulheres atuavam como juízas, ministras, e podiam circular livremente. A partir de 1979, esse cenário foi substituído pela imposição da sharia, pela repressão sistemática, por linchamento e execução de pessoas em público, cerceamento da liberdade religiosa, opressão das mulheres e homossexuais, e pela exportação do fundamentalismo. O regime instaurou um modelo de terror interno e externo, com execuções públicas, censura, prisões políticas e desaparecimentos. Fora de suas fronteiras, o Irã atua por meio de proxies – grupos terroristas que alimenta ideológica e financeiramente. Seu objetivo declarado é a destruição da visão de mundo ocidental, iniciando-se por Israel (o “pequeno satã”) e pelos Estados Unidos (o “grande satã”), além da imposição de sua visão teocrática ao mundo. Recentemente, e ignorando apelos diplomáticos incessantes, o Irã chegou a um ponto sem retorno: atingiu a capacidade concreta de produção de armas nucleares e arsenal de mísseis capazes de destruir não apenas Israel, mas também tantas outras nações que não aceitam a sua visão radical de mundo. A um passo de deter a mais potente arma destrutiva mundial, capaz de destruir a realidade na qual vivemos, Israel, ciente do risco existencial que representa um Irã nuclear, passou a realizar ações militares cirúrgicas contra alvos estratégicos do regime. O que vemos hoje não começou há poucas semanas, nem com as dezenas de milhares de mísseis disparados contra Israel desde o ataque terrorista de 2023. As primeiras vítimas do regime iraniano foram seus próprios cidadãos – e as próximas serão todos os que defendem a liberdade, a democracia e os direitos humanos. A guerra contra o modo de vida ocidental já foi há muito declarada por terroristas: não nos esqueçamos do 11 de setembro de 2001, com o ataque às Torres Gêmeas, executado pela Al-Qaeda; do maior ataque terrorista da América Latina, em 1994, em Buenos Aires, realizado pelo Hezbollah; ou do maior massacre de judeus desde o Holocausto, em outubro de 2023, em Israel, perpetrado pelo Hamas – entre, infelizmente, tantos outros que marcam a nossa história. O clamor por liberdade feito em nome da opressão; a defesa dos direitos humanos usada para justificar quem os nega. Daniela Russowsky Raad É precisamente neste ponto que a guerra entre Israel e Irã se torna um espelho incômodo para o Ocidente. Universidades e veículos de mídia que exaltam grupos fundamentalistas revelam uma distorção preocupante: o clamor por liberdade feito em nome da opressão; a defesa dos direitos humanos usada para justificar quem os nega. Sociedades livres que se voltam contra seus próprios valores correm o risco de perder aquilo que as define. Diante desse cenário, a pergunta que ecoa é urgente: para onde estamos caminhando? Uma geração que nunca precisou lutar pela sua liberdade talvez não tenha a noção do preço de mantê-la.

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