Novas denúncias sugerem uma inquietante possibilidade: a liderança do Hamas em Gaza pode estar em colapso, enquanto milícias locais — algumas com apoio israelense — buscam ocupar o vazio de poder. As informações surgiram após uma entrevista exclusiva à BBC com um suposto tenente-coronel das forças de segurança da organização, feita no mesmo dia em que ocorria rodada de negociações de cessar-fogo em Doha, entre Israel e Hamas.
De acordo com a fonte, o Hamas teria perdido cerca de 80% do seu controle territorial na Faixa de Gaza, incluindo a desintegração de sua estrutura de comando. Destaca-se que 95% de seus principais líderes teriam sido eliminados por ataques aéreos israelenses.
Segundo o oficial, “o Hamas foi praticamente desintegrado e perdeu o controle sobre a população na Faixa de Gaza” — uma declaração forte, sugerindo que, embora ainda detenha 35% a 40% da área e controle cerca de 2 milhões de pessoas, a organização estaria desmoralizada e sem capacidade de manter uma administração coerente.
Se isso for verdadeiro, surge a pergunta: por que o Hamas seguiria negociando em Doha com postura firme, exigindo liberação de prisioneiros palestinos em troca de reféns, interrupção das ofensivas israelenses e a facilitação de reconstrução em Gaza? E por que Israel não lançaria um avanço final, acreditando ter “vencido” o grupo?
Yasser Abu Shabab
A resposta pode estar na possível estratégia por detrás da declaração do tenente-coronel. Apesar do suposto colapso, o Hamas ainda controla regiões-chave — como a cidade de Gaza e acampamentos centrais —, onde Israel não ingressou devido ao risco de atingir reféns mantidos pelo grupo. Esse território pode estar servindo como “zona de segurança” para que a organização reagrupe forças.
Além disso, o vazamento coincide com o surgimento de uma nova liderança emergente: Yasser Abu Shabab, identificado como chefe de milícia com ligação com a Autoridade Palestina, Egito e com o ex-líder de Gaza Mohammad Dahlan — este último apoiado pelos Emirados Árabes Unidos. Segundo relatos, ele estaria recebendo treinamento, armas e apoio logístico, inclusive de Israel, que enxerga a possibilidade de enfraquecer o Hamas com uma força mais alinhada aos seus interesses. Em sua declaração à BBC, o oficial descreveu Abu Shabab como figura que consolida milícias locais formando um conselho conjunto para derrubar o Hamas.
Fontes diplomáticas confirmam que ao menos seis grupos armados já surgiram nos territórios onde o Hamas perdeu influência. “Gangues estão presentes por toda a área, e a sociedade está em colapso“, relatou o tenente-coronel, indicando que o vácuo de poder teria sido rapidamente ocupado por milícias locais.
Porém, nem todos os analistas acreditam na narrativa de descontrole total. A diplomacia israelense não se pronuncia oficialmente sobre os rumores, embora tenha confirmado a provisão de apoio material a grupos como o de Abu Shabab. Por outro lado, o Hamas continua a negociar com firmeza em Doha, como se sua capacidade de pressão ainda fosse relevante. Aparentemente, Israel não consideraria útil atacar massivamente a área por temer consequências humanitárias, o que comprometeria sua imagem diplomática.
A controvérsia gera um impasse: o Hamas estaria efetivamente enfraquecido, incapaz de governar, mas paradoxalmente fortalecido por permanecer ativo politicamente e manter controle sobre áreas estratégicas. Se sua autoridade — já seriamente comprometida — der lugar ao poder dessas novas facções, pode haver um processo de transição de regime em Gaza, com permissão tácita de Israel, Egito e Autoridade Palestina.
Essa possível realocação de poder no terreno poderá ter impactos profundos. Por um lado, enfraqueceria uma liderança unificada responsável pelo sequestro de reféns e pelos atentados. Por outro lado, instabiliza ainda mais uma Palestina já fragmentada, podendo gerar confrontos internos e caos humanitário no pós-guerra, caso o cessar-fogo se concretize.
Enquanto durar a guerra e o esperado cessar-fogo não se consolidar, a incerteza sobre quem realmente governa Gaza permanece — e o anúncio de colapso do Hamas pode representar, ao mesmo tempo, verdade amarga e jogada estratégica cuidadosamente orquestrada.
Fontes: BBC, Jerusalem Post