Desertora norte-coreana entra com ações judiciais por tortura e estupro contra Kim Jong-un

Compartilhe:

Uma ex-prisioneira política norte-coreana entrou nesta semana com dois processos judiciais inéditos contra o ditador Kim Jong-un na Coreia do Sul, acusando o líder comunista e outros seis altos funcionários do regime por crimes contra a humanidade, tortura sistemática, estupro e perseguição política. A ação, revelada pela plataforma especializada NK News e repercutida por veículos como The Guardian nesta quinta-feira (11), representa a primeira tentativa formal de responsabilizar judicialmente o líder norte-coreano em território sul-coreano por violações de direitos humanos cometidas dentro da ditadura mais fechada do mundo.

A denunciante é Choi Min-kyung, hoje com 53 anos, que conseguiu escapar do país em 2012 após ser presa e deportada quatro vezes entre 2000 e 2008. Durante os anos em que esteve sob custódia do regime, ela afirma ter sido espancada repetidamente, torturada psicologicamente, submetida a trabalho forçado e vítima de violência sexual por parte de guardas. Em entrevista à imprensa sul-coreana, Choi disse que ainda sofre com as sequelas dos abusos, incluindo perda auditiva permanente, trauma psicológico e dependência de medicamentos. “Sobrevivi, mas vivo todos os dias com o peso daquilo que passei“, declarou.

A ação judicial, protocolada em um tribunal de Seul com o apoio do Database Center for North Korean Human Rights (NKDB), busca uma indenização de 50 milhões de wones sul-coreanos (cerca de 37 mil dólares) e solicita à Justiça que inicie uma investigação formal com base no princípio da responsabilidade de comando. Esse conceito jurídico, já utilizado em tribunais internacionais para julgar crimes de guerra, sustenta que líderes políticos e militares podem ser responsabilizados por atrocidades cometidas sob sua autoridade, mesmo que não as tenham ordenado diretamente. O advogado responsável pelo caso, Lee Young-hyun, também é um ex-refugiado da Coreia do Norte e atualmente o primeiro cidadão norte-coreano naturalizado sul-coreano a atuar como advogado no país.

Embora a Coreia do Sul não reconheça oficialmente o regime norte-coreano como Estado separado, sua legislação permite que crimes cometidos em território norte-coreano sejam julgados por suas cortes, uma vez que Seul considera toda a península como parte de seu território soberano. A expectativa, no entanto, é de que, mesmo em caso de condenação, as sanções sejam simbólicas, já que não há mecanismos práticos para fazer cumprir uma sentença contra Kim Jong-un. Ainda assim, o caso pode abrir precedente para futuras ações, tanto domésticas quanto internacionais.

A denúncia surge em um momento em que governos conservadores, especialmente nos Estados Unidos sob a administração de Donald Trump, têm reforçado sua retórica contra regimes autoritários, sobretudo os comunistas. Em maio, o secretário de Estado norte-americano Marco Rubio citou em audiência no Senado a necessidade de pressionar o regime de Pyongyang e apoiar os desertores norte-coreanos em busca de justiça. A ação movida por Choi é vista por diplomatas sul-coreanos como um possível catalisador para aumentar a pressão sobre o regime, inclusive em instâncias como o Conselho de Direitos Humanos da ONU ou o Tribunal Penal Internacional, embora a Coreia do Norte não reconheça essas jurisdições.

As denúncias de Choi Min-kyung reforçam o extenso histórico de violações de direitos humanos documentado por missões da ONU e por organizações como a Human Rights Watch. Em 2014, uma comissão da ONU concluiu que o regime norte-coreano mantinha campos de prisioneiros políticos com práticas de tortura, assassinatos arbitrários, fome forçada e escravidão — muitos desses crimes classificados como “contra a humanidade“. Apesar da gravidade das acusações, pouco avanço foi feito no sentido de responsabilização judicial de altos membros do regime.

Ao tornar-se a primeira vítima a entrar com ação direta contra Kim Jong-un, Choi afirma que pretende dar voz a milhares de norte-coreanos que não tiveram a chance de escapar ou de contar sua história. “Nós somos testemunhas vivas“, declarou. “Devemos agir enquanto ainda podemos.

Compartilhe:

Leia Também

plugins premium WordPress