Crise energética expõe vulnerabilidade de Taiwan e abre espaço para aposta geotérmica

Compartilhe:

Taiwan está à beira de um colapso energético que ameaça não apenas seu modelo econômico, mas também sua segurança estratégica diante do expansionismo chinês. Ao acelerar a eliminação gradual das usinas nucleares, a ilha se expôs a blecautes sucessivos e a tarifas de energia recordes, enquanto a prometida expansão de energia eólica offshore falhou em suprir a demanda crescente.

Um separador gás-líquido em uma unidade geradora geotérmica é visto no Parque Geotérmico de Qingshui, no Condado de Yilan, Taiwan, em 29 de novembro de 2023. I-Hwa CHENG/AFP via Getty Images

Desde 2018, quando os primeiros reatores começaram a ser desligados, a confiabilidade do sistema elétrico de Taiwan se deteriorou. O reator final foi desativado em maio deste ano, elevando ainda mais o risco de interrupções de energia. Para compensar, a ilha intensificou a importação de gás natural liquefeito (GNL), que corresponde hoje a cerca de 38% de sua matriz elétrica. Esse recurso, além de caro e poluente, aumenta perigosamente a vulnerabilidade da ilha a bloqueios navais ou sanções vindas de Pequim — um ponto crítico, considerando as reiteradas ameaças militares chinesas ao redor do estreito de Taiwan.

As tarifas de eletricidade subiram duas vezes apenas em 2024, após dois anos consecutivos de reajustes, chegando a níveis históricos. Usuários industriais, como a Taiwan Semiconductor Manufacturing Company (TSMC), alertaram que estão pagando alguns dos preços mais altos do mundo para manter a produção de chips. Isso mina justamente o chamado escudo de silício — a dependência global de semicondutores taiwaneses, considerada por Taiwan uma garantia indireta contra invasões.

Detalhes técnicos do cenário energético

  • Capacidade nuclear instalada antes da desativação: cerca de 5,1 GW.
  • Capacidade instalada de eólica offshore projetada: 5,5 GW até 2025, mas apenas 1,3 GW entregues até agora.
  • Dependência do GNL: em crescimento acelerado, passando de 26% da matriz elétrica em 2015 para quase 38% em 2024.
  • Pico tarifário: US$ 0,24 por kWh para consumidores industriais — recorde histórico em Taiwan.

Frente a este quadro, o governo do presidente Lai Ching-te, do Partido Democrático Progressista (DPP), começou a olhar para uma alternativa historicamente negligenciada: a energia geotérmica. Taiwan se localiza na Orla do Pacífico, sobre duas placas tectônicas, apresentando vastos recursos geotérmicos que permanecem praticamente inexplorados desde um frustrado projeto piloto nos anos 1980.

Em 2023, o Ministério da Economia taiwanês lançou novas diretrizes para atrair investimentos privados no setor. Já em abril deste ano, o Google anunciou uma parceria com a sueca Baseload Capital para construir uma usina piloto geotérmica para abastecer seus data centers na ilha. A perfuração já começou na costa leste, onde o potencial de aquecimento subterrâneo é mais favorável.

A geotermia oferece uma solução interessante: garante geração constante, como a nuclear, mas sem resíduos radioativos. Por isso, tem agradado tanto conservadores do KMT — que prezam pela confiabilidade do suprimento — quanto ambientalistas do DPP, que não querem reabrir feridas do debate nuclear após Fukushima.

Ainda assim, o KMT tenta resgatar a opção nuclear. Em agosto, promoverá um referendo sobre a reativação do último reator, construído mas nunca conectado à rede. Pesquisas de opinião mostram a população dividida.

A crise energética taiwanesa não é apenas um problema de tarifas ou apagões: ela expõe um ponto fraco gravíssimo para a segurança da ilha, que depende de energia estável para sustentar sua gigantesca indústria de semicondutores — vital não apenas para Taiwan, mas para toda a economia ocidental. Se a China decidir fechar as rotas de GNL ou sabotar as importações, a situação poderia se tornar insustentável rapidamente.

Resta saber se Taiwan terá coragem de reavaliar de forma pragmática a energia nuclear, ou se apostará todas as fichas no geotérmico. O fato é que, sem soluções de base firme, a ilha permanecerá em risco diante de qualquer movimento de coerção de Pequim.

Fonte: foreignpolicy.com

Compartilhe:

Leia Também

plugins premium WordPress