A ironia trágica que paira sobre o Brasil contemporâneo não é apenas a de um país dividido, mas de uma nação que assiste à substituição da Justiça pelo espetáculo inquisitorial. No centro deste teatro, sob holofotes ideológicos e ovações seletivas da imprensa domesticada, jaz a figura de Luiz Inácio Lula da Silva — ex-presidiário, condenado por uma montanha de provas, julgada por nove magistrados distintos em três instâncias. Ele ficou o tempo suficiente atrás das grades para decorar algumas frases de efeito para entrevistas e, claro, para ser canonizado pelo mesmo sistema jurídico que antes o condenara.
Quinhentos dias. Isso foi tudo. Uma temporada reduzida, uma espécie de recesso espiritual no cárcere, da qual emergiu como mártir laico, símbolo reciclado de uma esquerda que já não tem nem causas nem escrúpulos. Enquanto isso, a mesma Justiça que um dia o enquadrou agora serve de pedestal para sua revanche. O mais notório dos togados, Alexandre de Moraes — um homem que parece ter confundido o Supremo Tribunal Federal com um trono romano e o Brasil com sua província pessoal — conduz com mãos de ferro e ego de imperador uma cruzada contra seu principal antagonista político: Jair Bolsonaro.
Não bastasse a desproporcionalidade da perseguição, há o detalhe sórdido do cálculo. Querem mais de 40 anos de prisão para Bolsonaro. Quarenta. Um número que não revela justiça, mas vingança. Um número que não representa reparação, mas assombro. O crime? Contestar o sistema. Criticar o tribunal. Organizar reuniões. Nenhum tanque nas ruas, nenhum AI-5 na manga. Nenhuma ordem de prisão contra opositores, nenhuma censura oficial decretada. O “golpe” que nunca houve — esse delírio narrativo que sustenta manchetes e processos — agora serve como justificação para enterrar adversários políticos vivos.
Essa escalada não se restringe ao ex-presidente. Como em toda boa inquisição, é preciso punir também os plebeus que rezam o mesmo credo. A cabeleireira Déborah, por exemplo, símbolo involuntário do que se tornou o novo Brasil: uma mulher comum, de origens humildes, sem influência nem imunidade, arrastada pelo aparato estatal por ter estado no lugar “errado” — ou seja, por ter manifestado apoio à direita. Ela e tantos outros senhores e senhoras de idade, comerciantes, autônomos, cidadãos que jamais portaram armas ou invadiram instituições, são hoje tachados de golpistas e tratados como bandidos. Há algo profundamente repulsivo — e perigosamente autoritário — nessa inversão de valores em que o desejo de punição suplanta o compromisso com a verdade.
O STF, sob a batuta de Moraes, age como um comissariado político, onde cada decisão já nasce com o veredito pronto e onde o contraditório é mera formalidade estética. Não há mais due process. Não há habeas corpus. Há censura prévia, busca e apreensão por opiniões, prisões preventivas estendidas ad infinitum e um ambiente de terror judicial que transformou o Brasil num laboratório distópico de autoritarismo jurídico. A toga virou farda. E o vernáculo da Constituição foi substituído pelo palavreado da conveniência.
Alguns dirão que exagero. Que o Brasil ainda é uma democracia, que o Judiciário é independente, que os crimes estão sendo investigados com base na lei. A esses, lembro que toda ditadura começa com uma boa desculpa. E poucas são tão eficazes quanto a defesa da democracia. É em nome dela que se atropelam os ritos, que se ignoram os princípios e que se humilham cidadãos comuns. A democracia virou palavra-código para censura, prisão política e perseguição ideológica.
E tudo isso sob a vista grossa — ou cúmplice — de uma imprensa que abandonou a função de vigiar o poder para se converter em seu porta-voz mais histérico. Os jornais não investigam mais; reverberam. Os colunistas não analisam; militam. Os noticiários não informam; doutrinam. O jornalismo brasileiro tornou-se uma extensão do gabinete do ministro Alexandre de Moraes, com direito a fontes exclusivas, vazamentos seletivos e campanhas de difamação disfarçadas de reportagem. Não há interesse em questionar. Só há medo de discordar.
O caso de Jair Bolsonaro — e, por extensão, o de seus apoiadores — é revelador por isso mesmo. Ele é o símbolo que precisa ser destruído, não apenas por suas falas, seus erros ou seus acertos, mas porque ousou não se ajoelhar. Porque desafiou a narrativa, porque mexeu no tabuleiro sem pedir bênção aos sacerdotes de toga. E, como todo herege que se preze, precisa arder — não em nome da justiça, mas para servir de exemplo.
O Brasil assiste, perplexo ou anestesiado, a esse processo de degradação institucional. Alguns aplaudem, satisfeitos com a humilhação pública de seus inimigos. Outros, os mais lúcidos, começam a entender que a fogueira que hoje queima seus adversários pode amanhã consumir seus aliados. Porque o monstro que se alimenta de exceções logo se volta contra os que o criaram.
No final das contas, não é Bolsonaro o verdadeiro réu nesse tribunal farsesco. É a própria ideia de liberdade. É o direito de discordar. É a noção — básica — de que um cidadão não pode ser punido por suas crenças, por suas falas, por suas companhias. É a ideia de que Justiça não pode ter lado, nem projeto de poder.
O que vemos hoje é o triunfo do arbítrio. O STF não quer apenas julgar Bolsonaro. Quer apagar sua existência política. Quer criminalizar seus eleitores. Quer reescrever a história recente com a tinta da revanche. E, enquanto isso, o homem que desviou bilhões e recebeu favores em tríplex e sítios decorados com o suor do contribuinte desfila pelo mundo como estadista reabilitado. Eis o retrato do Brasil de 2025: o corrupto consagrado, o opositor condenado e o povo amordaçado.
Se isso é democracia, então George Orwell foi otimista.
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