Brasil: O próximo pária internacional

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Acordamos e mais uma semana se iniciou, tudo ocorrendo na sua maior normalidade, brasileiros indo para os seus trabalhos, crianças de férias, noticiários passando os mais diversos crimes e, no fundo, um burburinho político, que se arrasta há meses em um impasse entre políticos, jornalistas e o próprio Estado americano, um burburinho que agora se tornou impossível de não ver e querer acompanhar.

Donald Trump tomou uma decisão radical: impôs uma tarifa de 50% sobre todas as importações brasileiras, tarifa essa que começará a ser aplicada a partir de 1º de agosto de 2025. Essa retaliação do governo americano foi justificada ao que ele chamou de “caça às bruxas” contra o ex-presidente Jair Bolsonaro.

Não pretendo hoje discutir as consequências, devastadoras, que uma taxação dessa proporção vai causar ao Brasil, pois, goste você ou não, o nosso país é um nanico internacional que vive de vender suas commodities, e de uma relevância que decai a cada ano que passa. A diplomacia de Lula é um desastre com os Estados Unidos, assim como a diplomacia de Bolsonaro foi um desastre com a China.

A evolução dessa gangorra política — que ora ataca um lado e ora ataca o outro, sem poder atacar ninguém — transformou o Brasil em um país arriscado, sem coerência em sua política externa, abandonando anos de boa convivência e bom meio de campo com países que são poderosos demais para arriscar uma inimizade.

Brasil e China: de relações estreitas, a desconfianças e uma reaproximação

Embora a relação oficial diplomática entre Brasil e China tenha se iniciado na década de 1970, foi a partir dos anos 90 que tivemos um estreitamento entre ambos os países. Foi nessa década que um processo de fortalecimento se iniciou e evoluiu de uma parceria inicialmente estruturada em torno de interesses econômicos e comerciais para uma relação ainda maior, com cooperação política, tecnológica, ambiental e cultural..

Foi com as presidências de Fernando Collor de Mello (1990-1992) e depois de Itamar Franco (1992-1995) que o Brasil começou sua trajetória de diversificar os seus parceiros comerciais e abriu espaço para que um estreitamento com a China começasse. É importante lembrar que Pequim estava iniciando um boom de crescimento, que viria a explodir no início dos anos 2000.

Durante o processo de abertura do Brasil ao cenário internacional, o país deu início a uma tradição diplomática pautada pelo equilíbrio, buscando atuar com bom senso no meio de campo e evitar qualquer inclinação a radicalismos. Fernando Henrique Cardoso (1995-2002) foi à China em 1997, esse evento histórico nos indicou que a relação poderia evoluir para uma cooperação mais ampla, especialmente na área de comércio e investimentos. Nesse período, o comércio bilateral começou a crescer, com a China se tornando um importante parceiro comercial do Brasil, principalmente na exportação de commodities brasileiras, como soja, minério de ferro e petróleo.

Lula surfa na onda chinesa

Após os governos FHC e durante os dois primeiros mandatos de Luiz Inácio Lula da Silva (2003-2010), a relação, sem sombra de dúvidas, chegou a novos patamares, se aprofundando ainda mais. Lula viajou pela primeira vez para a China em 2004, pelo menos de forma oficial, como presidente brasileiro, e atraiu o país para bem perto, fortalecendo a cooperação em diversas áreas, desde a energética até a tecnológica.

A década de 2000 também foi marcada pelo aumento exponencial do comércio bilateral, com o Brasil se beneficiando do crescimento econômico chinês e buscando diversificar sua pauta de exportações, enquanto a China investia em setores estratégicos brasileiros. Além disso, foram estabelecidos vários acordos de cooperação em ciência, tecnologia e educação.

Dilma e Temer mantêm a paz com a China

Sai Lula e entra outra petista, Dilma Rousseff (2011-2016), e a relação continua a se fortalecer, sendo reconhecida oficialmente como uma parceria estratégica. Dilma visita a China em 2014 e reforça a vontade do governo brasileiro em aprofundar a cooperação. Nesse período, houve também uma maior presença chinesa no Brasil em investimentos em infraestrutura, energia renovável e mineração.

Dilma sai de cena, é impichada e entra o seu vice Michel Temer (2016-2018). Sob Temer, a relação Brasil-China se mantém sólida, apesar de desafios internos em ambos os países.

Bolsonaro desconfia dos chineses

Com a eleição do outsider Jair Bolsonaro (2019-2022), a relação entre os países começa a mudar. Famoso por seu discurso anticomunista, Bolsonaro começa a falar sobre interferência interna chinesa e até mesmo de uma ameaça à democracia brasileira. Podemos dizer que a política mais à direita de Bolsonaro, se distanciando de uma neutralidade, tornou a relação entre os países mais ambígua e incerta, com acusações e momentos de muita tensão.

Mesmo com todos esses problemas na esfera política e ideológica, é inegável que tivemos um fortalecimento do comércio e dos investimentos, que continuaram a crescer, mesmo com diversas tensões globais e regionais, incluindo a pandemia de Covid-19, que reforçou a necessidade de cooperação internacional.

Como eu escrevi, a relação entre Brasil e China durante o mandato de Bolsonaro foi muito ambígua. Desde o início da década de 1990, os países se aproximaram, o que consolidou a relação e a China se tornou um parceiro comercial muito importante para o Brasil, principalmente por conta das exportações de commodities como soja, minério de ferro e carne bovina.

Entretanto, mesmo com essa aproximação econômica, diversas polêmicas marcaram a relação Brasil-China na gestão Bolsonaro. O ex-presidente, por exemplo, criticou as medidas ambientais na China, especialmente relacionadas às políticas de controle de florestas e às ações no Brasil contra o desmatamento na Amazônia. Essas críticas geraram desconforto na China, que, por sua vez, demonstrou preocupação com o impacto ambiental na região amazônica, de interesse global.

Nesse período também tivemos denúncias, especialmente por parte de setores políticos e da mídia, de que a China estaria tentando exercer influência política no Brasil, incluindo supostas tentativas de angariar apoio para interesses chineses ou influenciar decisões estratégicas. Essas alegações, muitas vezes, alimentaram discursos de preocupação com a soberania nacional.

Muitas foram as controvérsias nessa relação entre Brasil e China, entretanto, no final das contas, o governo Bolsonaro acabou por priorizar os interesses econômicos e evitou confrontos diretos com Pequim. Bolsonaro mudou a relação com a China, uma desconfiança pairou no ar sobre os chineses, mudando os ares de diplomacia brasileira. Mas nenhum desconforto foi tão grande quanto o que estamos vivenciando hoje com Lula e os Estados Unidos.

Com a posse de Luiz Inácio Lula da Silva em 2023, a relação diplomática voltou a falar de “cooperação multilateral”, embora isso não tenha sido aplicado aos Estados Unidos, e vivenciamos hoje uma crise muito pior e mais grave do que qualquer tensão vivida por Bolsonaro com a China.

Com a volta de Lula ao poder pela terceira vez, o presidente expressou o compromisso de fortalecer a parceria com a China, buscando equilibrar interesses econômicos com a promoção de uma relação mais equitativa e sustentável.

Mas a relação diplomática entre o Brasil e os Estados Unidos parece estar com os seus dias contados.

Lula dá tchau aos americanos

Para os desavisados de plantão, a taxação de Donald Trump pode ter pego alguns de surpresa, mas para quem acompanha as polêmicas e as diversas controvérsias internas e externas entre Brasil e Estados Unidos, a medida já era até esperada. Estaria Lula levando o Brasil para a beira do abismo?

Embora a crise entre Brasil e Estados Unidos tenha ganhado um contexto dramático agora, a gestão de Lula tem sido alvo de críticas por parte de setores conservadores e de grupos de defesa de direitos civis, especialmente em relação à censura, que estaria vindo sob o martelo de Alexandre de Moraes e teria o aval do governo petista. A empresa do presidente americano Donald Trump teria sido alvo de censura em terras brasileiras, o que fez com que ela abrisse uma ação contra Moraes.

As decisões do juiz brasileiro — seja contra as redes sociais ou contra Bolsonaro —, na visão de políticos alinhados com Trump, caracterizariam uma perseguição política. Foi sob essa ótica que o governo americano decidiu radicalizar. A falta de freios por parte do governo Lula e a ausência de uma articulação diplomática para evitar a taxação — pelo contrário, com setores inclusive pedindo retaliação contra os Estados Unidos — levaram o Brasil ao completo abandono de qualquer cooperação com os americanos. O equilíbrio morreu.

Não é de hoje que Lula diverge de diversas posições tradicionais dos EUA em relação a regimes autoritários, direitos humanos ou intervenções militares, mas a relação entre os países nunca esteve tão ruim. Uma inimizade com os chineses é ruim, mas com os americanos pode levar o Brasil a outro nível.

Brasil, o próximo pária?

Com o nosso país sendo sufocado economicamente e começando a ser mal falado pelos quatro cantos do mundo por ser autoritário, não é de se estranhar que uma questão de isolamento internacional ronde o pensamento de muitos. Quando um Estado realiza ações vistas como violações dos direitos humanos, atividades ilícitas severas ou possui um comportamento desafiador às normas internacionais, esse país começa a ser isolado/marginalizado na arena global.

Ser chamado de pária internacional é começar a sofrer com as chamadas sanções econômicas, comerciais ou diplomáticas por parte de outros Estados ou organizações internacionais, com o objetivo de pressionar mudanças de conduta. Começamos por aqui a entender que um dos objetivos de Trump é para que o Brasil mude a sua conduta interna, já que um dos caminhos para se tornar pária é justamente começar a ser pressionado economicamente.

A taxação de Trump vai gerar muito debate e isso pode contribuir para uma reputação negativa do Brasil, já que na visão do governo atual, existem sérias violações contra os direitos humanos em curso, como a perseguição de jornalistas brasileiros que estão em solo americano. É bom lembrar que Alexandre de Moraes tentou aplicar leis brasileiras contra pessoas que estão sob jurisdição americana, o que, na visão dos Estados Unidos, representaria uma violação da sua soberania nacional.

Isso tudo pode gerar dificuldade na obtenção de apoio internacional, auxílio econômico, produtos brasileiros sofrendo com as taxas e as empresas passando por sufoco. Exemplos históricos ou atuais de países considerados párias incluem regimes que praticaram violações massivas aos direitos humanos, ou aqueles envolvidos em atividades ilícitas que desafiam a comunidade internacional.

A possibilidade de o Brasil se tornar um “pária internacional” no contexto político atual depende de diversos fatores, incluindo suas ações diplomáticas, políticas internas e externas, bem como a percepção de outros países e organizações internacionais.

Podemos entender que decisões que levem a um alinhamento mais próximo a blocos ou países considerados isolados na arena internacional ou que adotem posições contrárias às normas internacionais podem prejudicar a imagem do Brasil, e sabemos que Lula é bastante próximo de regimes controversos.

Um afastamento dos princípios democráticos ou crises políticas internas podem impactar a confiança internacional e a cooperação. Parece que estamos chegando nesse momento. Se os Estados Unidos convencerem a comunidade internacional de que o Brasil não é mais uma democracia, que está realizando perseguições políticas e está violando direitos humanos, nosso país estará fadado a ser uma pária.

Após o tarifaço de Trump, o STF do poderoso Alexandre de Moraes se calou, mas o governo Lula não e ele afirmou que utilizaria a lei da reciprocidade, para retaliar os Estados Unidos, ou seja, aplicaria tarifas iguais sobre produtos americanos. Parece até que daria certo no papel, mas na prática não, nosso país não tem força econômica para isso, o Brasil é um dos poucos países que compra mais dos EUA do que vende — uma configuração que teoricamente se adequa à agenda comercial de Trump. E faz com que a medida brasileira seja uma piada.

As autoridades e empresas brasileiras estão se esforçando para calcular o impacto econômico das potenciais tarifas, mas, como estamos vendo, as consequências políticas têm potencial explosivo. Para apoiadores de Lula, esses enxergam a medida como uma contribuição para as eleições de 2026, sem pesar que até lá, os preços vão estar tão nas alturas, que ninguém mais vai se lembrar de Trump, mas vão se lembrar que foi sob a gestão de Lula, que viajar ficou mais caro, que o gás foi para as alturas e que o seu salário não dava mais para nada.

Ou recuperamos o bom senso de uma diplomacia equilibrada e tentamos achar saídas, ou o Brasil vai afundar internamente, externamente e o termo pária será apenas um elogio.

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