O mesmo ódio de sempre, com nova roupagem

Quando falo de antissemitismo, a maioria pensa logo em Hitler e no Holocausto. Mas esse ódio é mais antigo e disfarçado — começa em piadas, memes e boatos como “judeus controlam o mundo” ou “são gananciosos”. Narrativas simples que transformam pessoas reais em monstros, abrindo caminho para expulsões, pogroms e câmaras de gás. Depois da Segunda Guerra, parecia que havíamos aprendido. “Nunca mais”, dizíamos. Mas, como lembra Deborah Lipstadt em Antisemitism: Here and Now, o antissemitismo não desapareceu — apenas mudou de fantasia: virou “antissionismo”. Criticar políticas de Israel é legítimo. Mas negar o direito de existir do único Estado judeu do mundo é o mesmo ódio de sempre, com nova roupagem. Hoje, o antissemitismo moderno troca “judeus mataram Cristo” por “Israel mata palestinos”. Kenneth L. Marcus alerta que, quando aplicamos a Israel padrões que não aplicamos a nenhum outro país, estamos diante do antissemitismo. Ruth Wisse lembra que, historicamente, transformar judeus em símbolos do mal foi o motor de perseguições. Eu vi isso de perto em Porto Alegre. Participei e denunciei manifestações que se chamavam de “pró‑Palestina”, mas eram palcos de ódio aos judeus e relativização do terrorismo islâmico. Ali, ouviu-se o grito de parlamentares de esquerda, de partidos como PT e PSOL, “do rio ao mar” — expressão banida na Alemanha e condenada internacionalmente, porque significa a destruição completa de Israel. É exatamente o que o estatuto do Hamas defende. O Hamas, fundado em 1987, é uma organização terrorista que busca eliminar Israel por meios violentos. Em 7 de outubro, assassinou, estuprou e sequestrou civis judeus. Relativizar ou defender isso não é crítica política. É propaganda antissemita. Ainda restam mais de 50 reféns israelenses nas mãos dos terroristas. Isso fica mais claro ao observar o comportamento de figuras públicas que deveriam ser autoridades na formulação de políticas públicas. Celso Amorim, ex-chanceler e assessor de Lula, escreveu o prefácio da versão brasileira do livro de Daud Abdullah, Engaging the World: The Making of Hamas’s Foreign Policy (2023), afirmando estar “muito encorajado” com a perspectiva de que, por meio de diálogo internacional, o Hamas poderia “restaurar os direitos palestinos”. O que Celso Amorim propõe não é diplomacia: é legitimação de uma organização terrorista. Em absoluto contraste com sua posição sobre o Hamas, Amorim defende que o Brasil mantenha relações mínimas com Israel — vetando inclusive a aprovação de um novo embaixador — e que ingresse na ação da África do Sul acusando Israel de genocídio na Corte Internacional de Justiça, argumentando que os ataques do Hamas foram “condenáveis’, mas os números dos mortos em Gaza são maiores. É uma inversão flagrante: relativiza o assassinato de judeus e amplifica a narrativa de que Israel é muito pior que um grupo terrorista. Isso é a representação do antissemitismo como política externa no Brasil hoje. Nas universidades, denunciei palestras na UFRGS e na Unisinos que compararam Israel ao nazismo. Para Yehuda Bauer, em Rethinking the Holocaust, isso banaliza o genocídio e torna o discurso antijudaico. O Brasil vive um momento crítico: há pichações antijudaicas, suásticas em muros, ataques a cemitérios judaicos, memes conspiratórios enviando “banqueiros judeus” no WhatsApp. Hannah Arendt ensinou: desumanizar é primeiro passo para a violência. David Nirenberg mostra: sociedades em crise sempre procuram um bode expiatório — e hoje, mais uma vez, são os judeus. A mais cruel hipocrisia é ver quem grita “antifascismo” relativizar o antissemitismo. Apoiam o Hamas, pedem o fim de Israel, levam pessoas aplaudirem livros que romantizam terroristas — e ainda se consideram do lado certo da história. Antissemitismo é crime. Tem que ser combatido com coragem, lucidez e ação — antes que famílias judaicas brasileiras se tornem alvo real. O “nunca mais” não é slogan de muro: é compromisso diário, em sala de aula, praça, protesto, rede social. Criticar Israel é legítimo; negar seu direito de existir e demonizar judeus, jamais pode ser permitido. Eu não sou judeu. Sou gaúcho, descendente de alemães. Carrego memórias de guerra e imigração dos meus antepassados — mas também a responsabilidade de não repetir erros. Por isso, quando me perguntam por que me importo se não sou judeu, respondo: exatamente por isso. Defender a dignidade humana é obrigação de quem quer ver uma sociedade saudável — sem ódio, sem exclusão, sem violência. Hoje, muitos nos acusam de nazistas ou fascistas por defendermos valores conservadores. Mas são os mesmos que relativizam o terror do Hamas, aplaudem discursos que clamam pela destruição de um povo. É a inversão total de papéis: quem deveria combater o mal abraça o ódio — e acusa quem denuncia de ser fascista. Recuso essa inversão. Combater o antissemitismo é um compromisso, pois acredito na liberdade, dignidade e justiça. Sei que esse ódio é o sintoma de uma sociedade doente. Se não defendermos os judeus hoje, amanhã podemos ser nós. Se queremos honrar o “nunca mais”, temos que agir agora. Quando ouvirmos discursos que transformam um povo inteiro em vilão, relativizam o terror ou clamam pela destruição de Israel, precisamos ter coragem de dizer não. Quem relativiza o terror e defende o fim de um povo não é antifascista — está do lado errado da história, mesmo que finja o oposto. Antissemitismo começa nas palavras e termina em violência. Se queremos que o “nunca mais” seja real, precisamos agir — juntos, agora.