Narrativas programadas: você sabe como crises políticas são arquitetadas para parecerem espontâneas?

Os protestos deveriam ser expressão legítima da democracia. Mas, em tempos de polarização e tecnologia avançada, surgem movimentos que, sob o verniz da espontaneidade, operam como peças estratégicas em jogos geopolíticos e narrativos. Neste artigo, traço um paralelo entre os protestos antideportação em Los Angeles, que revelam uma estrutura cuidadosamente coordenada para gerar instabilidade pública, e as denúncias recentes, do dia 10 de julho de 2025, do deputado federal Gustavo Gayer sobre uma campanha digital no Brasil com suposto financiamento público e coordenação partidária. Ambos os episódios ilustram como agendas políticas são impulsionadas por operações disfarçadas de mobilização espontânea — e o quanto isso ameaça a integridade do debate público. Veja como técnicas de Operações Psicológicas estão sendo aplicadas. Objetivo estratégico por trás do ativismo Nos protestos em Los Angeles iniciados em 6 de junho, os objetivos vão além da crítica à política de deportações. Trata-se de uma estratégia de guerra psicológica, em que a violência e o caos não são efeitos colaterais, mas meios cuidadosamente escolhidos para esgotar a autoridade governamental, deslegitimar instituições e provocar uma crise de segurança pública. A escalada de confrontos com agentes da lei e a promoção da desobediência civil são peças fundamentais dessa engenharia. No caso brasileiro, a campanha “Defenda o Brasil” como uma ação coordenada entre agências de publicidade financiadas criminosamente com dinheiro público, movimentos sociais, influenciadores e lideranças partidárias. O lançamento foi planejado para ocorrer com precisão cirúrgica, às 8h da manhã do dia 11 de julho, com mensagens uniformes e conteúdo digital previamente formatado — um movimento que se apresenta como militância espontânea, mas que segue padrões de execução profissional. Leia mais: Gabinete do Amor emplaca pautas no trend topics do X no Brasil – Danuzio O “Gabinete do Amor” sob a sombra do “Mensalinho do Twitter” – Danuzio PT instaura o “Gabinete do Amor” – Danuzio Ofensiva organizada e manipulação da percepção Tanto em Los Angeles quanto na campanha brasileira, nota-se uma ofensiva com foco em território simbólico e político. Nos EUA, os manifestantes ocupam espaços físicos e digitais, desafiando a autoridade policial e disseminando narrativas polarizadoras. A operação não é reativa; é ofensiva e busca desgaste institucional. No Brasil, os documentos vazados revelam uma ofensiva digital — com links, imagens e vídeos prontos para serem disseminados em massa, todos com um slogan unificado. Isso elimina a espontaneidade e revela um esforço de manipulação da percepção pública que, visa atacar a oposição e mobilizar artificialmente a base de apoio governista atual. Concentração de meios e eficiência tática Os protestos californianos contam com financiamentos robustos: governo estadual, entidades filantrópicas como a Fundação Ford e conexões internacionais — inclusive com organizações ligadas ao Partido Comunista Chinês. Essa massa de recursos e ativistas é mobilizada estrategicamente para garantir escala e impacto, com o menor custo possível de exposição direta. No Brasil, a denúncia aponta para uma estrutura em consórcio: várias agências recebendo recursos públicos e coordenando a campanha em conjunto. A concentração de esforços e a padronização de mensagens garantem impacto com economia de forças. É uma operação pensada, onde os influenciadores pagos cumprem papel tático dentro de um ecossistema narrativo. Flexibilidade e disfarce: táticas de manobra e segurança Na Califórnia, os grupos ativistas demonstram elevada capacidade de adaptação, capitalizando oportunidades como a indignação com deportações para escalar ações violentas. A articulação entre entidades moderadas e radicais cria uma estrutura fluida, ideal para manobras rápidas e imprevisíveis. A provocação de confrontos com o ICE é meticulosamente escolhida para gerar desgaste e ampliar o alcance midiático do conflito. Na campanha “Defenda o Brasil“, identifica-se um movimento semelhante na comunicação: sob a bandeira emocional de “defesa da pátria“, ocultam-se os verdadeiros fins políticos. A coordenação entre influenciadores e entidades governistas é disfarçada por uma estética de engajamento popular, o que impede a população de perceber a operação como propagandística. O princípio de segurança aqui é manter invisível a mão que orquestra. Surpresa e controle do tempo A surpresa é uma arma poderosa. Nos protestos de Los Angeles, a escalada violenta superou as expectativas das autoridades, gerando reações descoordenadas e reforçando a percepção de crise. O público, diante da intensidade repentina, fica vulnerável à manipulação emocional e midiática. No Brasil, a revelação do timing preciso — 11 de julho, às 8h — para disseminação digital é a chave da estratégia. A coordenação cria um pico artificial de engajamento, alterando percepções de popularidade e força política, o que pode influenciar tanto redes sociais quanto decisões institucionais. O fator surpresa reside na mudança súbita do ambiente digital, transformando o debate público num campo de batalha virtual. Unidade de comando e simplicidade na mensagem Nos EUA, dezenas de organizações atuaram sob uma estrutura coordenada, sugerindo uma centralização de comando e alinhamento estratégico. A diversidade de grupos é equilibrada por uma unidade de propósito que legitima ações mais radicais sob um manto comum de justiça social. No Brasil, a campanha denunciada segue a mesma lógica. A frase “Defenda o Brasil” é simples, emocional e fácil de reproduzir. Com isso, elimina-se qualquer ambiguidade e se cria uma narrativa que pode ser executada por múltiplos atores, de forma simultânea, garantindo adesão e coerência discursiva. A simplicidade da mensagem é parte do plano, permitindo que ações sofisticadas sejam escondidas por frases impactantes. A falsa espontaneidade como ferramenta de desestabilização Protestos são essenciais, mas sua credibilidade depende da autenticidade. Os casos de Los Angeles e da campanha “Defenda o Brasil” revelam que nem toda manifestação é espontânea — algumas são cuidadosamente coreografadas para influenciar emoções, provocar crises e manipular decisões. A sociedade democrática, para se proteger, precisa aprender a distinguir mobilizações legítimas de operações montadas. A engenharia de crises, seja nas ruas ou nas redes, transforma o cidadão em alvo de campanhas narrativas desenhadas para parecer orgânicas. E quando a percepção se torna campo de batalha, é a própria democracia que fica em risco.

Rússia recruta estrangeiros: a nova legião de Putin e os ecos da história militar europeia

Com mais de três anos de guerra intensa contra a Ucrânia, a Rússia enfrenta um dilema estratégico e político: como manter sua ofensiva sem provocar uma nova onda de mobilização interna que possa desestabilizar ainda mais o país? A resposta veio em julho de 2025, quando o presidente Vladimir Putin assinou um decreto que autoriza cidadãos estrangeiros a servirem no exército russo mesmo fora de estados de emergência ou lei marcial. A medida também permite que especialistas acima do limite de idade ingressem em agências como o FSB e o SVR, ampliando o escopo do recrutamento militar e de inteligência. Essa decisão não é apenas uma resposta ao desgaste humano da guerra — que já causou mais de um milhão de baixas entre soldados russos, segundo o Estado-Maior da Ucrânia — mas também uma tentativa explícita de evitar o custo político de uma nova mobilização nacional. O decreto de mobilização parcial de setembro de 2022, ainda em vigor, provocou o êxodo de mais de 261 mil russos, revelando o impacto social e psicológico da guerra. Ao invés de repetir esse trauma, o Kremlin aposta na internacionalização de suas forças armadas, oferecendo incentivos financeiros e a promessa de cidadania russa a estrangeiros dispostos a lutar. Entre abril de 2023 e maio de 2024, mais de 1.500 estrangeiros foram recrutados para combater na Ucrânia, segundo o Ministério da Defesa britânico. A maioria veio do Sul e do Leste da Ásia (771), seguida por cidadãos de ex-repúblicas soviéticas (523) e países africanos (72). Os principais atrativos são os bônus de assinatura e a possibilidade de obter cidadania russa — uma oferta que transforma Moscovo em um polo internacional de alistamento militar. Essa estratégia, embora adaptada ao contexto contemporâneo, tem raízes profundas na história militar europeia. Em 1831, a França criou a Legião Estrangeira como forma de reforçar suas campanhas coloniais sem comprometer o tecido social interno. Formada exclusivamente por estrangeiros — exilados políticos, mercenários e aventureiros — a Legião atuava fora do território metropolitano, especialmente na Argélia, permitindo à França expandir seu império sem agitar o cenário doméstico. Mais do que uma solução logística, a Legião era um instrumento de controle político e reforço imperial. A Espanha seguiu o mesmo caminho ao fundar, em 1920, o Tercio de Extranjeros, sua própria legião estrangeira. Enfrentando derrotas na Guerra do Rif, o país buscava tropas mais resilientes e motivadas. Inspirada na francesa, a Legião Espanhola recrutava voluntários estrangeiros para missões de alto risco no norte da África. Seu ethos heroico e sua independência em relação ao exército regular espanhol conferiram à unidade uma aura de elite e utilidade política em tempos turbulentos. A Rússia, ao permitir o alistamento de estrangeiros, parece reativar esse princípio com nova roupagem. A medida não apenas reforça o contingente militar, mas também sinaliza uma mudança de paradigma: o Kremlin reconhece que sua capacidade de mobilização interna está esgotada e que, para sustentar sua ofensiva, será preciso recorrer a soluções externas. Ao incluir especialistas acima do limite de idade em agências de segurança, a Rússia amplia ainda mais sua rede de recrutamento, buscando talentos que possam contribuir com inteligência, logística e operações especiais. Outros países também adotaram estratégias semelhantes. Os Estados Unidos têm uma longa tradição de recrutamento estrangeiro em suas forças armadas, especialmente durante os conflitos no Oriente Médio. A promessa de green card e cidadania funcionou como alavanca de recrutamento. Israel, durante sua Guerra de Independência, contou com voluntários da diáspora judaica e veteranos da Segunda Guerra Mundial. Mais recentemente, a Ucrânia criou sua própria Legião Internacional, atraindo estrangeiros para combater a invasão russa. Esses exemplos revelam uma constante histórica: quando a mobilização interna se torna politicamente arriscada ou inviável, os exércitos recorrem a recursos humanos externos. É uma forma de terceirização da guerra, que transfere o custo da defesa para mãos estrangeiras em troca de compensações materiais e promessas de pertencimento. A Rússia, portanto, não apenas reage às pressões da guerra na Ucrânia, mas também reposiciona sua política militar em sintonia com modelos consagrados — e polêmicos — da tradição europeia. Embora o impacto numérico dos estrangeiros no exército russo ainda seja limitado, o gesto tem peso simbólico e estratégico. Ele mostra que o Kremlin está disposto a adaptar sua política de defesa para evitar novos traumas sociais e políticos. Ao abrir seus quartéis aos estrangeiros, a Rússia confere à sua política de guerra um novo rosto — mais pragmático, mais internacional e menos dependente do consenso nacional. Essa “nova legião de Putin” não é apenas uma resposta ao desgaste da guerra. É uma tentativa de reinventar a máquina militar russa, inspirando-se em práticas históricas que permitiram a outras potências sustentar seus projetos imperiais sem sacrificar sua estabilidade interna. Em tempos de guerra prolongada, a História sempre retorna com novas fardas — e a Rússia, ao que tudo indica, está vestindo a sua.

A retomada das favelas do Rio: um novo capítulo ou mais uma promessa eleitoreira?

O anúncio do governo do Rio de Janeiro de solicitar apoio do Exército e da Polícia Federal para retomar territórios dominados por organizações criminosas me fez lembrar de 2011 e 2012, quando estive à frente de um batalhão de infantaria na ocupação dos Complexos de favelas do Alemão e da Penha no Rio de Janeiro. O tema reacende um antigo debate: até que ponto essas operações são eficazes e sustentáveis, ou apenas movimentos políticos para capitalizar apoio popular? A proposta, que será apresentada ao Supremo Tribunal Federal (STF) até 15 de outubro de 2025, em cumprimento à decisão da Corte na “ADPF das Favelas“, promete ações integradas entre forças estaduais e federais, com foco inicial em comunidades de “baixa criticidade”, como Cidade de Deus, Vila Kennedy e Mangueirinha. No entanto, a história recente de intervenções no Rio levanta questionamentos sobre a real capacidade do Estado de transformar essas regiões e evitar que voltem ao controle do crime organizado. Lições do passado: Operações Arcanjo, São Francisco e a Intervenção de 2018 Para avaliar o potencial da nova proposta, é essencial revisitar operações anteriores. Em 2010, a Operação Arcanjo marcou a ocupação dos Complexos do Alemão e da Penha pelas Forças Armadas, com o objetivo de desarticular o tráfico e preparar o terreno para as Unidades de Polícia Pacificadora (UPPs). A missão começou sob forte comoção popular e apoio da mídia após uma onda de ataques que durou mais de 10 dias, paralisou o Rio de Janeiro com mais de 180 veículos incendiados, 40 homicídios, suspensão de serviços públicos e fechamento do comércio. Após 19 meses, em 2012, o Exército deixou a região considerada “pacificada”. No entanto, a transição para a Polícia Militar foi marcada por falhas logísticas e ausência de continuidade em políticas públicas. O governo estadual negligenciou ações sociais e de infraestrutura, permitindo que o tráfico recuperasse terreno. A Operação São Francisco, realizada entre 2014 e 2015 na Maré, foi amplamente divulgada antes de iniciar e não começou sob comoção. A ocupação militar buscava conter a violência às vésperas da Copa do Mundo e das Olimpíadas. No entanto, os resultados foram limitados, pois a falta de continuidade nas ações realizadas nos complexos do Alemão e da Penha viabilizou um rápido retorno ao controle territorial armado do Comando Vermelho, desmoralizando esse modelo de operação. Após a saída das Forças Armadas, a ausência de investimentos em serviços básicos e a fragilidade das forças policiais locais permitiram o retorno das facções. A Intervenção Federal de 2018, comandada pelo general Walter Braga Netto, foi voltada exclusivamente para a Segurança Pública. A cidade enfrentava uma crise de abastecimento devido ao roubo constante de cargas. Entre os principais resultados: Apesar dos resultados, a imprensa adotou uma postura crítica, dando ênfase a falhas pontuais. A ausência de estratégias de longo prazo e os escândalos de corrupção na cúpula do governo prejudicaram a continuidade e consolidaram uma deterioração rápida após o fim da intervenção. O novo plano: Integração ou Improviso? O plano atual, liderado pelo governador Cláudio Castro, propõe uma abordagem mais ampla, envolvendo Exército, Polícia Federal e forças estaduais. Segundo o secretário de Segurança Pública, Victor dos Santos, as operações incluirão políticas de inclusão social, estímulo à economia local e combate ao controle de serviços como internet, gás e energia elétrica pelas facções. A ideia de “governança compartilhada” entre município, estado e União soa promissora, mas esbarra em um histórico de descoordenação entre os entes federativos. Começar por comunidades de “baixa criticidade” pode ser uma estratégia para evitar confrontos intensos em áreas como o Complexo do Alemão, considerado de “alta criticidade” por conta das barricadas e do armamento pesado. Entretanto, essa abordagem também pode ser vista como uma forma de adiar o enfrentamento direto com as facções mais poderosas, gerando dúvidas sobre a real ambição do plano. A questão da GLO e o papel das Forças Armadas O uso da Garantia da Lei e da Ordem (GLO), que viabiliza o emprego do Exército com veículos blindados para desmantelar barricadas, é visto como uma “opção logística”. No entanto, experiências anteriores indicam que, embora eficaz no curto prazo, a presença militar não gera resultados duradouros sem uma ocupação civil robusta. As Forças Armadas, projetadas para defesa nacional, podem ser adaptadas para atuar nesse cenário urbano complexo, exigindo inteligência, proximidade com a população e políticas sociais consistentes. A proposta de GLO também reacende um debate sensível: o risco de uso político das Forças Armadas para capitalizar resultados. A Operação Arcanjo (2010–2012) foi marcada por alinhamento entre o governo do PT e a imprensa, visando transmitir uma imagem de segurança que garantisse os megaeventos. A Ocupação da Maré seguiu o mesmo roteiro. Já a Intervenção de 2018 enfrentou oposição ferrenha da imprensa e do meio acadêmico, mais alinhados à esquerda, que omitiram avanços conquistados. Hoje, o embate entre o governador Cláudio Castro (PL) e o presidente Lula (PT) pode transformar a nova operação em palco de disputas eleitorais, às vésperas das eleições de 2026. A promessa de neutralidade partidária é bem-vinda, mas difícil de sustentar em meio a uma forte polarização. Um futuro incerto Com ênfase em integração e políticas públicas, o plano parece corrigir erros do passado, mas sua efetividade dependerá de coordenação, recursos e vontade política. A história mostra que a presença do Estado não pode se limitar a tanques e fuzis. Educação, saúde, infraestrutura e oportunidades econômicas são essenciais para libertar verdadeiramente as comunidades do domínio do crime. Resta saber se as unidades das Forças Armadas serão adaptadas em equipamento e treinamento para enfrentar esse tipo de desafio com mais frequência, ou se o uso recorrente da GLO revela a incapacidade do Estado de combater o crime sem recorrer a medidas de exceção. A resposta definirá se o Rio de Janeiro está inaugurando um novo capítulo ou apenas relendo antigas promessas. Sobre o autor: o coronel Fernando Montenegro é veterano das Forças Especiais, professor na Pós Graduação em Gestão e Direção de Segurança da Universidade Autônoma de Lisboa e comentarista/articulista da CNN PORTUGAL.

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