Não foi Bolsonaro quem…

Não foi Bolsonaro quem chamou Donald Trump de nazista. Não foi Bolsonaro quem xingou Elon Musk. Não foi Bolsonaro quem desafiou o dólar. Não foi Bolsonaro quem prendeu, com condenações draconianas, idosos, pais e mães de família por aglomeração e pichação de estátua. Não foi Bolsonaro quem mandou retirar contas, perfis e documentários do ar por formularem dúvidas ou críticas políticas. Não foi Bolsonaro quem abriu inquéritos obscuros e infinitos, acumulando papéis de juiz, investigador, acusador, sem nenhuma transparência para com os advogados dos alvos. Não foi Bolsonaro quem quis dar ordens secretas e ilegais a companhias estrangeiras e exigir dados de cidadãos residindo legalmente no exterior. Não foi Bolsonaro quem se colocou em posição de “cancelar” mandatos ou suspender governadores de estado subitamente. Não foi Bolsonaro quem se pavoneou para contestar as ações de EUA e Israel, saindo em defesa do Irã, tentando levar adiante uma posição impossível de paladino global da “justiça”. Não foi Bolsonaro quem não se mostrou minimamente capaz de organizar uma estrutura para manter relações diplomáticas com a nação mais poderosa do Ocidente e do mundo. Não foi Bolsonaro quem quis convidar especialistas da China para ensinar ao regime autoritário brasileiro como censurar direitinho as redes sociais. Não foi Bolsonaro quem quis recorrer ao Judiciário sempre que o Congresso e a sociedade civil não lhe concedessem a satisfação de suas vontades. Não é Bolsonaro quem está no governo do país há dois anos e sete meses. Já disse outras vezes que Bolsonaro não era um modelo de amor à liberdade de expressão – remeto ao caso em que o ministro da Justiça da época tentou processar um sujeito em Palmas que financiou outdoors comparando o então presidente da República a um pequi roído, processo que foi abortado pelo STJ. É evidente, porém, que é risível equiparar a proporcionalidade das situações. Garanto que você não tinha receio real de ser preso ou censurado, como pode ser pelo STF, por criticar Bolsonaro, e, se disser que tinha, está mentindo. Não gosto de patrulhar o que os outros falam ou deixam de falar, já que detesto que façam isso comigo, mas é exaustiva essa falta de senso de realidade e de prioridades. O Brasil vive um regime autoritário que os poderes competentes não equacionam e chafurda na lama das relações internacionais, atraindo para si as reações a que estamos assistindo, incompetentes e despreparados para lidar com elas. Os liberais existem, em primeiro lugar, para proteger as regras do jogo, para proteger a liberdade. Está claro qual é o seu inimigo hoje. Talvez você queira ficar construindo moinhos de vento em vez de apontar-lhe o dedo porque não ousa encarar as consequências. Lucas Berlaza é Diretor-Presidente do Instituto Liberal. As opiniões contidas nesta coluna não refletem necessariamente a opinião do site Danuzio News.*

A banalização da mordaça

Ao acompanhar o julgamento de Eichmann, em Jerusalém, Hannah Arendt parece ter entendido a essência do que aconteceu no regime nazista, que incutiu um nível de controle tão grande na população alemã a ponto de esta passar a normalizar as ordens e orientações do partido, reproduzindo-as e naturalizando-as, sem questionar a moralidade do que estava sendo praticado. A capacidade de seres humanos cometerem atos inimagináveis pela falta de pensamento crítico ou reflexão – como era o caso de Eichmann, general alemão que facilitou o envio de cerca de 1,5 milhão de judeus aos campos de extermínio não por ódio, mas por estar apenas cumprindo ordens e seguindo as leis da época –, Hannah Arendt denominou “a banalidade do mal“. Recentemente, o Brasil acompanhou o desfecho do julgamento do artigo 19 do Marco Civil da Internet, por meio do qual o Supremo Tribunal Federal, por interesse próprio e a mando do presidente da República, pretende “regular” as plataformas digitais, aumentando sua responsabilidade sobre o conteúdo postado por terceiros. Um dos pontos mais impressionantes do julgamento foram as falas de alguns ministros, como Cármen Lúcia – a mesma jurista que, em 2022, votou por proibir a divulgação de um documentário na internet sobre um dos candidatos à Presidência da República, reconhecendo que se tratava de censura, mas apenas até o dia subsequente ao segundo turno das eleições, para que “não haja o comprometimento da lisura, da higidez, da segurança do processo eleitoral“. Afirmou em 26 de junho de 2025, em seu voto, que “a grande dificuldade está aí: censura é proibida constitucionalmente, eticamente, moralmente, e eu diria até espiritualmente. Mas também não se pode permitir que estejamos numa ágora em que haja 213 milhões de pequenos tiranos soberanos“. Em alto e bom som, a Suprema Corte anunciou ao país que as leis nele vigentes não servem para proteger o cidadão do poder e dos excessos do Estado. Pelo contrário, defendem a elite que o tomou para si. O cerceamento da liberdade individual, da livre expressão do pensamento, é, sem dúvidas, o caminho para a banalização do mal. Quando o indivíduo não pode manifestar seus pensamentos por medo da perseguição estatal, da clausura, do linchamento virtual e de penas econômicas, a moralidade que passa a vigorar é única e exclusivamente aquela ditada por quem está no poder. Uma sociedade com pensamento massificado, sem capacidade de avaliar criticamente as leis ou decretos governamentais que disciplinam cada aspecto de sua vida, por certo não há de questionar por que a Suprema Corte tem verba para presentear seus parceiros com gravatas personalizadas, enquanto as pessoas comuns esperam por anos na fila do SUS por uma cirurgia. A liberdade de expressão não é um luxo das democracias – é o seu próprio alicerce. Quando o Estado se torna o único intérprete legítimo da verdade e o cidadão perde o direito de questionar, expressar e até mesmo errar em público, estamos às portas de um sistema no qual o mal deixa de ser monstruoso e passa a ser apenas funcional. A censura disfarçada de regulação, a moralidade moldada por conveniência política e a intimidação judicial como mecanismo de silenciamento não são apenas sintomas de autoritarismo – são os instrumentos que o tornam banal. Assim como Eichmann alegava apenas “cumprir ordens“, hoje muitos aceitam calados o avanço de medidas que restringem liberdades individuais, confiando que, se estiverem do lado certo do discurso oficial, não serão atingidos. Esquecem-se de que o arbítrio, uma vez instalado, não conhece limites. O desafio contemporâneo, portanto, não é apenas preservar o direito de falar, mas garantir que nenhuma autoridade – por mais iluminada que se julgue – possa decidir quem pode ou não ser ouvido. O silêncio forçado nunca protegeu a democracia. Pelo contrário, foi sempre o prelúdio de seus períodos mais sombrios. Que não nos falte coragem para resistir – não à crítica, não ao dissenso, mas ao consentimento automático e à abdicação do pensamento, pois é nesse vazio que o mal, travestido de virtude, se acomoda e prospera. Nathália Ceolin Vieira, associada do Instituto de Estudos Empresariais (IEE)

Distopia Moderna: democracias seduzidas pelo Totalitarismo

Daniela Russowsky Raad, associada do Instituto de Estudos Empresariais (IEE) e presidente da Federação Israelita do RS O Oriente Médio vive uma guerra anunciada há décadas, mas que escancara uma polarização impensável em pleno século 21. Uma verdadeira distopia contemporânea, em que sociedades livres – outrora firmes em seus valores – se veem seduzidas por ideais totalitários travestidos de discursos de justiça. A guerra entre Israel e Irã não é apenas geopolítica: é reveladora dos maiores dilemas morais do nosso tempo. Israel, uma democracia em meio a regimes teocráticos e ditatoriais, é o único Estado judeu do mundo, com cerca de 10 milhões de habitantes. Concretização do ideal sionista, Israel surgiu após o exílio milenar do povo judeu e mantém uma conexão ancestral com sua terra, datada de mais de três mil anos. Hoje é reconhecido como a “Startup Nation”, com a maior densidade de inovações tecnológicas do planeta. Desde a independência, Israel travou guerras existenciais com países árabes que rejeitavam sua criação. Com o tempo, no entanto, vários desses países passaram a aceitar a realidade israelense, como Egito, Jordânia, Emirados Árabes Unidos e Bahrein, que assinaram tratados de paz e entenderam o benefício da cooperação e do progresso conjunto. Por outro lado, a resistência à existência do pequeno Estado judeu, verdadeiramente democrático, na região é fato inconcebível para determinados grupos radicais islâmicos que, desde muito antes de sua fundação, pregavam a instalação de um regime teocrático islâmico único. É o caso da Irmandade Muçulmana, fundada em 1928, no Egito, e banida dos países árabes em razão de suas ideias radicais e ações violentas. A destruição de Israel segue sendo o objetivo primordial de grupos terroristas como Hamas, Hezbollah e Al-Qaeda – todos unidos por um ponto em comum: a República Islâmica do Irã. Os iranianos são ancestrais da sua terra, tais quais os judeus. Antes da Revolução Islâmica, o Irã – historicamente conhecido como Pérsia, e hoje com cerca de 90 milhões de habitantes – vivia um processo de modernização. Mulheres atuavam como juízas, ministras, e podiam circular livremente. A partir de 1979, esse cenário foi substituído pela imposição da sharia, pela repressão sistemática, por linchamento e execução de pessoas em público, cerceamento da liberdade religiosa, opressão das mulheres e homossexuais, e pela exportação do fundamentalismo. O regime instaurou um modelo de terror interno e externo, com execuções públicas, censura, prisões políticas e desaparecimentos. Fora de suas fronteiras, o Irã atua por meio de proxies – grupos terroristas que alimenta ideológica e financeiramente. Seu objetivo declarado é a destruição da visão de mundo ocidental, iniciando-se por Israel (o “pequeno satã”) e pelos Estados Unidos (o “grande satã”), além da imposição de sua visão teocrática ao mundo. Recentemente, e ignorando apelos diplomáticos incessantes, o Irã chegou a um ponto sem retorno: atingiu a capacidade concreta de produção de armas nucleares e arsenal de mísseis capazes de destruir não apenas Israel, mas também tantas outras nações que não aceitam a sua visão radical de mundo. A um passo de deter a mais potente arma destrutiva mundial, capaz de destruir a realidade na qual vivemos, Israel, ciente do risco existencial que representa um Irã nuclear, passou a realizar ações militares cirúrgicas contra alvos estratégicos do regime. O que vemos hoje não começou há poucas semanas, nem com as dezenas de milhares de mísseis disparados contra Israel desde o ataque terrorista de 2023. As primeiras vítimas do regime iraniano foram seus próprios cidadãos – e as próximas serão todos os que defendem a liberdade, a democracia e os direitos humanos. A guerra contra o modo de vida ocidental já foi há muito declarada por terroristas: não nos esqueçamos do 11 de setembro de 2001, com o ataque às Torres Gêmeas, executado pela Al-Qaeda; do maior ataque terrorista da América Latina, em 1994, em Buenos Aires, realizado pelo Hezbollah; ou do maior massacre de judeus desde o Holocausto, em outubro de 2023, em Israel, perpetrado pelo Hamas – entre, infelizmente, tantos outros que marcam a nossa história. O clamor por liberdade feito em nome da opressão; a defesa dos direitos humanos usada para justificar quem os nega. Daniela Russowsky Raad É precisamente neste ponto que a guerra entre Israel e Irã se torna um espelho incômodo para o Ocidente. Universidades e veículos de mídia que exaltam grupos fundamentalistas revelam uma distorção preocupante: o clamor por liberdade feito em nome da opressão; a defesa dos direitos humanos usada para justificar quem os nega. Sociedades livres que se voltam contra seus próprios valores correm o risco de perder aquilo que as define. Diante desse cenário, a pergunta que ecoa é urgente: para onde estamos caminhando? Uma geração que nunca precisou lutar pela sua liberdade talvez não tenha a noção do preço de mantê-la.

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