Aprovada como um passo rumo à estabilidade, a trégua anunciada ontem à noite pelo presidente interino sírio Ahmed al-Sharaa tenta conter a escalada de violência entre milícias drusas e tribos beduínas sunitas aliadas a forças do novo governo. Isso resultou em mais de 1.000 mortos em cerca de uma semana.
Segundo o Syrian Observatory for Human Rights (SOHR), os mortos incluem cerca de 336 combatentes drusos e 262 civis drusos, dos quais ao menos 182 teriam sido executados sumariamente por forças do governo sírio. Do lado contrário, morreram 342 agentes de segurança do governo e cerca de 21 combatentes beduínos, incluindo três civis, que também teriam sido executados por drusos. Além disso, 15 militares sírios morreram em ataques aéreos israelenses.
A onda de violência começou em torno de 13 de julho, com o sequestro de um comerciante druso por beduínos sunitas. O incidente desencadeou uma série de rixas, troca de sequestros e confrontos armados em diversas localidades de Suweida. Os conflitos migraram para dentro da cidade, e o número de vítimas rapidamente disparou.
Uma trégua foi anunciada ontem (19), com mediação dos EUA e estados árabes. O Exército sírio chegou a se retirar da região, e líderes como Ahmed al‑Sharaa prometeram restaurar a ordem na região e conter as perseguições a minorias no país.
Relatos apontam que forças do governo sírio teriam se aliado tacitamente aos combatentes beduínos, cometendo abusos e execuções extrajudiciais contra drusos. Em contrapartida, milícias drusas também são acusadas de ataques contra aldeias beduínas e execuções de civis e combatentes rendidos.
O chefe espiritual druso Sheikh Hikmat al‑Hijri denunciou massacres e convocou para uma investigação internacional, afirmando que a confiança nas autoridades emergentes do país já se esgotou.
O custo humano da onda de violência é devastador. Aproximadamente 80.000 pessoas foram deslocadas desde o início dos confrontos, das quais 20.000 somente em 17 de julho. A infraestrutura local entrou em colapso: falta de água, eletricidade, telecomunicações e combustível tornaram-se rotina.
Hospitais superlotados passaram a armazenar corpos nos corredores e até mesmo nas ruas, enquanto equipamentos médicos deixaram de funcionar por falta de energia. O Comitê Internacional da Cruz Vermelha classificou a situação como crítica.
Israel entrou na crise, realizando ataques aéreos contra alvos militares sírios na província de Suweida e em Damasco, justificando as ações como proteção à minoria drusa na Síria. Os EUA, por sua vez, exigiram desarmamento e o cumprimento da trégua, apoiando a administração de Ahmed al‑Sharaa, que também é apoiada por potências do Oriente Médio, como Arábia Saudita e Catar.
Entretanto, milícias drusas rechaçaram a presença armada externa e afirmaram que somente aceitariam desmilitarização em um cenário de reconciliação nacional — ainda utópico num país fragmentado por conflitos sectários.
Esta ofensiva marca o maior surto de violência sectária na província de Suweida desde a queda de Bashar al‑Assad, e representa um teste crítico para o governo interino de Ahmed al‑Sharaa. A legitimidade do Estado sírio está em xeque, à medida que minorias como os drusos e alauítas questionam sua proteção dentro da nova ordem.
A escalada das mortes, os relatos de massacres e a falha da trégua expõem uma Síria ainda longe da pacificação nacional, onde a reconciliação e o restabelecimento da ordem devem competir com ódios sectários, rivalidades locais e influências externas.
Fontes: Middle East Eye, The Times of Israel, Al Mayadeen, Financial Times