A relação entre o Brasil e os Estados Unidos entrou em novo estágio de tensão após o tarifaço anunciado pelo governo Trump no último dia 9 de julho. O pacote incluiu sobretaxas de até 50% sobre produtos brasileiros, como carne bovina, aço e alumínio, e coincidiu com a suspensão de vistos diplomáticos de autoridades brasileiras — medida que teria sido articulada por grupos próximos a Eduardo Bolsonaro e ao comentarista Paulo Figueiredo, segundo fontes do Congresso norte-americano.
O episódio reacendeu um debate que já parecia esquecido: por que, durante o governo Bolsonaro, diversos setores da oposição na época, ONGs e até artistas denunciaram o Brasil por violações ambientais e direitos humanos — mas nenhuma sanção internacional relevante foi aplicada? E por que agora, sob o governo Lula, elas finalmente começaram a sair do papel?
Uma história de pressões ignoradas
Entre 2019 e 2022, a gestão Bolsonaro enfrentou intensos protestos internacionais, especialmente por causa do aumento do desmatamento na Amazônia, ataques a povos indígenas e o enfraquecimento de órgãos ambientais. Personalidades como Leonardo DiCaprio, Greta Thunberg, Costa Petra, além dos brasileiros Felipe Neto, Anitta e Sônia Guajajara — que hoje ocupa o Ministério dos Povos Indígenas —, usaram suas plataformas para exigir que o Brasil fosse punido no cenário internacional.
Paralelamente, partidos de oposição e entidades como Observatório do Clima, ISA e Apib protocolaram vários pedidos de sanções e denúncias formais junto a organismos como a ONU, a Comissão Europeia e até o Tribunal Penal Internacional.
Entretanto, os pedidos não prosperaram — em parte por razões diplomáticas, em parte por conveniência geopolítica. Durante o governo Trump, o Brasil era considerado aliado prioritário. Já na transição para Biden, em 2021, havia temor de aprofundar a instabilidade regional em meio à pandemia e à guerra na Ucrânia.
“O mundo preferiu aguardar. Não queriam confrontar um governo que já era visto como imprevisível, e havia a crença de que ele poderia cair por desgaste interno“, afirma um diplomata brasileiro que atuou na ONU.
O caso do Fundo Amazônia
Nada simbolizou melhor esse impasse do que a paralisia do Fundo Amazônia, criado em 2008 e congelado em 2019 após o então ministro Ricardo Salles extinguir os comitês de governança. A Noruega e a Alemanha suspenderam R$ 542 milhões em doações. Apenas com a decisão do STF em novembro de 2022, o fundo foi reativado — e os recursos voltaram a circular apenas em 2023, já na gestão Lula.
Por que agora?
A atual guinada dos EUA contra o Brasil tem pouco a ver com questões ambientais e muito mais com reorientações estratégicas na geopolítica global. Desde que o Brasil passou a criticar o sistema financeiro internacional baseado no dólar e a apoiar alternativas no âmbito dos BRICS, como uma nova moeda comum, Washington intensificou sua vigilância.
Fontes da diplomacia americana ouvidas pela revista Foreign Policy admitem que o governo Lula “cruzou uma linha vermelha” ao se aproximar economicamente de Rússia, Irã e China em operações que buscam escapar do sistema SWIFT e dos mecanismos de rastreamento financeiro dos EUA.
Além disso, a sinalização de que o Brasil abriu portos para embarcações militares iranianas, somada à oposição aberta à nova ofensiva israelense em Gaza, criou um ambiente propício para que antigos pedidos de sanção fossem revisados com outros olhos.
O que pode acontecer agora?
A escalada atual pode ir além das tarifas. Especialistas alertam para possíveis restrições ao acesso do Brasil ao GPS, interrupção parcial no sistema SWIFT (que afeta transferências bancárias internacionais), e bloqueios a compras de insumos agrícolas e tecnologia sensível.
Essas medidas atingiriam setores estratégicos:
- Agronegócio: sem GPS e acesso a dados via satélite dos EUA, grandes produtores perdem capacidade de precisão nas colheitas, rastreabilidade e logística;
- Exportações: com restrições no SWIFT, pagamentos de compradores internacionais enfrentariam atrasos ou seriam inviabilizados;
- Emprego e inflação: menor fluxo de exportações e encarecimento de insumos agrícolas impactariam alimentos, combustíveis e a geração de empregos, especialmente no interior.
O Brasil, que escapou de sanções durante o governo Bolsonaro mesmo sob inúmeras denúncias, agora começa a sentir o peso da retaliação internacional. Curiosamente, as razões alegadas pelos EUA hoje são as mesmas que ignoraram por anos. A diferença é o contexto: a guerra de moedas e o redesenho da ordem global colocaram o Brasil no centro de um jogo geopolítico em que o ambientalismo é apenas a desculpa conveniente.
Fonte: USTR, Cepea, cnabrasil.org.br, e www.portaldaindustria.com.br