O anúncio de sanções por parte dos Estados Unidos contra o Brasil, com tarifas de 50% sobre todas as exportações brasileiras, marca um divisor de águas na história da política externa nacional. Mais do que uma crise econômica, trata-se de uma crise diplomática, que rompe com décadas de equilíbrio e pragmatismo característicos do Itamaraty. A diplomacia brasileira, construída sobre o respeito à multipolaridade e à neutralidade estratégica, foi substituída por um projeto ideológico que arrasta o país para um eixo geopolítico antiocidental, com custos reais e imediatos.
Desde sua fundação, o Itamaraty buscou exercer um papel de equilíbrio entre as grandes potências, com o objetivo de preservar os interesses do Brasil em um mundo em constante disputa. Essa tradição não era conservadora nem progressista; era realista. Em momentos críticos da Guerra Fria, o Brasil conseguia manter relações simultâneas com os Estados Unidos e com a União Soviética, com a China e com a Europa, com países árabes e com Israel. Essa autonomia estratégica permitiu que o Brasil ganhasse protagonismo global sem antagonizar potências. Isso acabou.
Ao retornar ao poder, Lula abandonou esse pragmatismo em nome de uma geopolítica ideológica. A reaproximação com ditaduras como Irã, Cuba, Venezuela, Rússia e China tornou-se prioridade. A presença do presidente brasileiro em fóruns como o BRICS — agora com expansão para regimes autoritários como Egito, Arábia Saudita e Irã — revela um projeto de mundo alternativo, em que o Brasil se afasta do Ocidente em nome de uma suposta nova ordem multipolar. Porém, ao invés de equilíbrio, o governo optou pela provocação.
Lula não apenas se aproximou desses regimes, como hostilizou abertamente os Estados Unidos e seus aliados. Ao comentar as eleições norte-americanas, ironizou Trump, criticou sanções contra países “irmãos” como Cuba e questionou abertamente o papel do Ocidente na guerra da Ucrânia, chegando a culpar a OTAN pela escalada do conflito. Em relação a Israel, o governo brasileiro recusou-se a classificar o Hamas como grupo terrorista mesmo após ataques brutais contra civis, comparou as ações de defesa de Israel ao nazismo e chamou a ofensiva em Gaza de “genocídio“, adotando abertamente a retórica da propaganda do Hamas. Mais recentemente, o Brasil aderiu à ação movida pela África do Sul na Corte Internacional de Justiça contra Israel, aprofundando ainda mais o distanciamento com Washington e com aliados históricos do Ocidente.
A reação não tardou. O presidente Donald Trump anunciou uma tarifa de 50% sobre todos os produtos brasileiros como retaliação à perseguição judicial contra Jair Bolsonaro e ao alinhamento do Brasil com adversários estratégicos dos EUA. Embora o pretexto formal seja comercial, a motivação é evidentemente política. Trata-se de uma sanção camuflada, que insere o Brasil no mesmo rol de países punidos por Washington, como China, Rússia, Venezuela e Irã.
O mais grave é que essa ruptura foi provocada conscientemente pelo governo brasileiro. Lula não apenas se recusou a dialogar com Trump desde sua eleição, como também impediu tentativas do Itamaraty de construir pontes com a diplomacia americana. Diferente da China, que negociou redução de tarifas; da Argentina, que buscou flexibilizações; e da Índia, que atua com inteligência pragmática, o Brasil optou pelo confronto. O resultado é um país isolado, com exportações comprometidas e sem credibilidade como interlocutor global.
Não há precedente recente de um governo brasileiro que tenha intencionalmente comprometido relações comerciais em nome de alinhamento ideológico. Nem mesmo na década de 1960, em plena tensão entre Washington e Havana, o Brasil rompeu relações com um dos lados. Mesmo durante os governos militares, os diplomatas brasileiros mantiveram canais abertos com múltiplos atores internacionais. Hoje, vemos a inversão dessa lógica: o Brasil adota o discurso dos países “anti-imperialistas”, mas continua altamente dependente do comércio com o Ocidente — e agora paga por isso.
Além dos danos econômicos, as sanções escancararam a falência do discurso do “protagonismo internacional” de Lula. Não há protagonismo em ser punido. Não há liderança global possível para um país que hostiliza seus maiores parceiros comerciais em nome de narrativas ideológicas importadas dos anos 60. O caso da Embraer, que perdeu um contrato bilionário com a Polônia após Lula declarar apoio a Putin e insinuar que Zelensky “é tão culpado quanto“, revela o custo direto da ideologização da política externa. Países que antes nos viam como modelo de conciliação e mediação passam a nos tratar com cautela — ou desconfiança. A União Europeia mantém congelado o acordo com o Mercosul. Os EUA nos tratam agora como um problema. E até na América Latina o Brasil perdeu influência, sendo questionado por vizinhos como Paraguai, Uruguai e Equador.
O discurso do governo tenta disfarçar a crise com slogans nacionalistas: “Brasil é dos brasileiros“, “não aceitaremos imposições estrangeiras“, “soberania acima de tudo“. Mas são palavras vazias. Na prática, quem pagará o preço da bravata serão os exportadores brasileiros, os produtores rurais, a indústria e — por consequência — o consumidor. A inflação tende a subir, a confiança do investidor a cair e o dólar a disparar. O Brasil virou um pária tarifário por escolha própria.
É possível discordar de Trump. Suas ações são ruins para a economia brasileira. Melhor teria sido aplicar sanções pessoais a Lula, Moraes e todos os envolvidos diretamente. Mas não se pode ignorar que o Brasil deu todos os sinais errados. Ao perseguir opositores, censurar redes sociais, controlar o Judiciário e sabotar relações diplomáticas em nome de afinidades ideológicas, Lula transformou o Brasil de parceiro confiável em alvo preferencial. Isso não é soberania — é irresponsabilidade geopolítica.
Agora, fala-se em reconstrução. Mas não haverá reconstrução com os mesmos interlocutores que causaram a destruição. O próprio recuo de Lula — ao anunciar que não retribuirá as sanções americanas — é a admissão tácita de que errou em toda a condução da política externa desde o início. Uma postura arrogante e beligerante nos colocou nesse buraco. Agora, o mesmo governo que provocou o desastre pede tempo e paciência para revertê-lo? Não se corrige um erro estratégico mantendo o erro no poder. É preciso corrigir a rota — e isso começa trocando o comandante.
Se o Brasil quiser voltar a ter credibilidade internacional, atrair investimentos, proteger suas exportações e recuperar sua influência diplomática, Lula precisa sair. Por responsabilidade histórica, por interesse nacional e por respeito ao próprio povo que está pagando a conta. O Brasil precisa de uma nova liderança que entenda que política externa não é palanque ideológico, mas ferramenta estratégica. E que reconstrua — com prudência, com firmeza e com patriotismo — a tradição que o Itamaraty levou séculos para construir e que Lula, em poucos meses, quase destruiu.
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