O tabuleiro está a postos: as sanções sobre o Brasil eram uma jogada previsível

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O presidente Donald Trump estabeleceu uma alíquota de 50% sobre a exportação de qualquer produto brasileiro. Nas razões dessa medida, chamaram a atenção o discurso voltado a questões predominantemente políticas. Em carta direcionada ao presidente Lula, Jair Bolsonaro é citado como um líder respeitado, enquanto o Supremo Tribunal Federal, mais notadamente na figura do ministro Alexandre de Moraes, é abordado como o responsável por uma verdadeira “Caça às Bruxas” que deve acabar.

O Brasil recebeu a tarifa mais alta do mundo. Logo em seguida, aparecem Mianmar, Laos e Tailândia, que são conhecidos por terem um sistema político instável. Assim, Trump passa ao mundo a ideia de que o Brasil está inserido em conjuntura dotada de democracia duvidosa. Contudo, vale lembrar que o poder político e o econômico costumam dar as mãos, ou seja, acreditar que a medida implementada é puramente ideológica e que, portanto, seria possível ignorar o restante que vem nesse pacote soa ingênuo. Em jogo há muito mais.

O Brasil tem potencial agrícola insuperável, condizente com sua extensão territorial permeada por múltiplas fronteiras, e um mercado consumidor de mais de 200 milhões de pessoas, condizente com a eterna promessa de que o desenvolvimento está logo ali, dobrando a esquina. Tudo isso demonstra a relevância na geopolítica e explica o porquê de o país não passar despercebido.

O panorama contemporâneo inspira tensão. Desde a Segunda Guerra Mundial, não se verificam potências nucleares diretamente envolvidas em batalhas – talvez não estejamos a perceber que na verdade a Terceira Guerra já pode ter começado. Nesse cenário, surgem dois grandes grupos: o primeiro é formado principalmente por Israel, Estados Unidos e países da OTAN, enquanto o segundo é formado principalmente por China, Rússia, Irã e Coreia do Norte. Como é comum em polarizações, o mundo cobra uma posição, e o lado em que o Brasil se encontra é rapidamente compreendido: está alinhado com os países ditatoriais.

Os discursos e as práticas adotadas pelo governo dão sinais claros. O STF atua na mesma frequência, quando, dentre outras medidas, restringe a liberdade de expressão e derruba redes sociais sem o devido processo legal. Recentemente, os ministros da Corte restringiram a liberdade de expressão, quando reescreveram regras consubstanciadas no Marco Civil da Internet, criando um contexto de vulnerabilidade das plataformas, que tiveram ampliadas as possibilidades de serem responsabilizadas.

O Brasil ainda pode ser concebido como a maior democracia da América Latina?

São muitos os acontecimentos que diminuem a relevância da política externa brasileira e colocam em dúvida a solidez da democracia. O presidente Lula, violando a moralidade e a impessoalidade, nomeou o seu advogado pessoal para o STF. Também criou impasses diplomáticos com Israel, recebeu no Rio de Janeiro dois navios de guerra iranianos – e tudo isso aconteceu depois de ter sido estranhamente saudado pelo líder do grupo terrorista Hamas.

Os rumos políticos causam estranheza perante os ideais constitucionais brasileiros, porque a direção tomada vai ao encontro do grupo que não ostenta necessariamente pluripartidarismo, alternância de poderes, liberdade de expressão, respeito aos direitos das mulheres e do grupo LGBT. Desse modo, o Brasil despreza a própria Constituição Federal, quando se coloca ao lado de quem ignora a importância dos direitos humanos.

A quem cabe a responsabilidade pela ofensiva americana

A postura do atual governo já demonstrava há algum tempo os sinais de tragédia anunciada. As trapalhadas diplomáticas foram muitas e levaram a esse desfecho – e não poderia ser diferente. Lula provocou Trump pessoalmente e se colocou contra os interesses americanos em diferentes oportunidades. Lula associou Trump ao nazismo, defendeu a ideia de desdolarizar o comércio global, acusou Israel de genocídio, deu apoio à Rússia na guerra contra a Ucrânia, recebeu o ditador Maduro e visitou a condenada Cristina Kirchner e pediu pela sua liberdade. Por esses motivos, não há dúvidas de que o presidente Lula criou as condições perfeitas para a investida que ora ocorre, quando escolheu provocar uma potência. O insucesso era previsível.

O momento certo para a jogada

O revide americano, que já era certo, teve a perspicácia de esperar o momento em que os muitos motivos ideológicos já estavam escancarados aos olhos do mundo. Assim, a jogada surge em momento propício para o combate de questões políticas e econômicas ao mesmo tempo, uma vez que o volume de negociações que o Brasil tem com a China pode ficar ainda maior, caso saia do papel o projeto voltado para a criação de uma ferrovia que prevê a conexão do território brasileiro ao Oceano Pacífico, passando pelo Porto de Chancay, no Peru.

O crescimento da influência chinesa gera incômodo aos americanos, uma vez que nada impede que a parceria econômica com os chineses se transforme em laços políticos e militares. É preciso lembrar que, ao olhar para a Venezuela, os Estados Unidos veem bases militares da Rússia.

No mesmo período em que a tarifa foi imposta por Trump, as pesquisas mostram que Jair Bolsonaro, alinhado ideologicamente com os valores americanos, ganharia de Lula. Além disso, o encontro dos BRICS não teve o efeito esperado, porque, além de não ter contado com presidentes, nenhuma medida impactante foi divulgada. Portanto, é inegável que Trump mexe as peças em momento oportuno, na medida em que Lula se encontra cambaleando entre seus eleitores e, na política externa, sofre com nítida perda de capital político, uma vez que atualmente não subsiste retórica que consiga esconder o seu flerte com ditaduras.

As repercussões no quintal tupiniquim

O governo brasileiro pode ignorar a jogada americana e buscar pretender alguma espécie de contra-ataque. No entanto, é preciso lembrar que o Brasil conta com um Congresso que deseja ser reeleito, e a ele cabe dar explicações a seus eleitores. À sua disposição, veem-se mecanismos constitucionais para fiscalizar/pressionar o Executivo e o Judiciário.

Não se sabe se os Estados Unidos mandarão um porta-aviões ao Lago Paranoá – e talvez nem seja preciso tanto para impactar nos rumos do Brasil. O panorama é de extravagância: enquanto Lula não abre mão de seus regozijos ideológicos, o cidadão comum sente no bolso. O agronegócio e a metalurgia, responsáveis pela geração de milhões de empregos, são setores que ficariam comprometidos. As consequências disso poderiam significar demissões incontáveis e, por conseguinte, queda na própria arrecadação.

Em uma conjuntura de indefinições, a inflação seria ainda mais pressionada, em razão da fuga de capital de investidores, que se apoiariam em moeda forte. A consequente subida do dólar teria repercussões diretas no dia a dia do povo, já que o trigo e medicamentos, por exemplo, dependem da moeda americana.

O tabuleiro está quente, peças importantes já foram mexidas e algumas jogadas já podem ser imaginadas. Agora, está com um governo enfraquecido a possibilidade de reconhecer a derrocada política ou de enfrentar a economia mais poderosa do mundo, arriscando, nesse caso, um prestígio que lhe falta. Os holofotes também se voltam ao STF: até onde vai o ativismo judicial e até onde vão os inquéritos instaurados de ofício? Até onde vão os ministros que, em canais de televisão, adiantam votos de processos em curso? Até onde vai a inelegibilidade do ex-presidente Jair Bolsonaro? Diante desse contexto, a única certeza possível é que quem acompanha geopolítica não morre de tédio tão cedo.






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