Defesa nacional do Brasil: a urgência de um orçamento compatível com as ameaças existentes

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Em um cenário global de aparente caos e conflitos bem reais, o Brasil enfrenta um imperativo urgente: a necessidade de alocar recursos orçamentários suficientes e, acima de tudo, previsíveis para a sua Defesa.

Longe de ser uma preocupação exclusivamente militar, a Defesa abrange a segurança ampliada do país, garantindo sua soberania, protegendo os interesses dos cidadãos e salvaguardando a pátria contra qualquer ameaça. Esta é uma responsabilidade de toda a sociedade brasileira, conforme estabelecido em documentos redigidos pelo governante de turno e aprovados pelos representantes eleitos do Congresso, a saber: a Política Nacional de Defesa, a Estratégia Nacional de Defesa e o Livro Branco de Defesa.

Os gastos militares têm se ampliado continuamente nos últimos dez anos em todas as regiões do planeta – com exceção da África Subsaariana –, com um aumento de quase 10% em 2024. O nosso próprio entorno estratégico não escapou à regra: a Guiana elevou seus investimentos em Defesa em impressionantes 78%, impulsionada pela ameaça da Venezuela, que almeja dois terços de seu território.

Contexto internacional

O motivo é claro: uma guerra na Europa, cuja solução não aparece no horizonte; o incessante conflito no Oriente Médio, que alcançou um novo patamar com a operação Martelo da Meia-Noite; a guerra de quatro dias entre Índia e Paquistão – duas potências nucleares; rotineiros golpes militares em países do Sahel, alijando colonizadores antigos por novos; e, por fim, a latente ameaça de uma guerra no leste asiático pelo controle de Taiwan.

Aqui na América do Sul, a Venezuela também foi notícia ao receber aeronaves estratégicas russas para exercícios militares e por, suspostamente, contratar mercenários do grupo Wagner para garantir Nicolas Maduro no poder há alguns anos. O Brasil, detentor da maior biodiversidade do mundo na Amazônia, vastas reservas de água doce e minerais estratégicos como Elementos de Terras Raras (REE, na sigla em inglês), além de forte exportador de segurança alimentar para o planeta, é um ator importante em todo esse tabuleiro.

Além das ameaças tradicionais de conflito bélico, nosso país enfrenta ameaças não convencionais, como:

  • A criminalidade transnacional organizada, com redes de narcotráfico se unindo a outras redes criminosas, criando uma globalização do crime que pode exigir respostas mais robustas.
  • Os ataques cibernéticos diários, que somam dezenas de milhares de ocorrências no Brasil, afetando diretamente a segurança do país.

Ressalte-se que cabe ao Exército Brasileiro, por meio de seu Comando de Defesa Cibernética, atuar 24 horas por dia, 7 dias por semana, na proteção de infraestruturas críticas contra ataques no campo cibernético.

Por que investir em Defesa?

A defesa nacional funciona como uma “apólice de seguro” para o país, garantindo as capacidades necessárias para contrapor situações imprevistas. Um exemplo claro é a invasão da Ucrânia, que pegou muitos de surpresa, incluindo o Exército Alemão, que se vê sem as ferramentas necessárias para uma eventual guerra contra a Rússia. A sociedade brasileira, portanto, precisa “pagar o seguro” para que as Forças Armadas tenham condições de atuar quando necessário.

Apesar dessa realidade premente, o Brasil investe modestos 1,1% do PIB em Defesa, posicionando-se aquém da média global de 2,5%, e de vizinhos como Colômbia (3%) e Peru (2,4%). Essa substancial defasagem orçamentária e a falta de previsibilidade têm consequências diretas e alarmantes para a capacidade de defesa do país:

  • Atrasos e encarecimentos de programas estratégicos: O Sistema Integrado de Monitoramento de Fronteiras (SISFRON), por exemplo, concebido para ser concluído em 10 anos na totalidade da fronteira brasileira, foi estendido para 30 anos devido à crônica falta de cumprimento da previsão orçamentária, que é contingenciada ao longo do tempo. Isso resulta em defasagem tecnológica e aumento de custos, pois o que foi planejado décadas antes já se torna obsoleto e mais caro.
  • Impacto na produção de equipamentos nacionais: A fábrica italiana Iveco, que montou uma unidade no Brasil para produzir 120 blindados Guarani por ano, está entregando apenas 60 devido à capacidade de pagamento do Exército, o que gerou um reajuste e aumento de preço no contrato.
  • Longos prazos de aquisição: Equipamentos e munições pesadas, como uma munição de 155mm, não se encontram em prateleiras, demandando, ao menos, 3 anos para produção e entrega. O processo licitatório para os obuseiros ATMOS, vencido por uma empresa israelense, iniciou em 2017 e a última entrega estava prevista para 2039.
  • Dependência externa: A falta de produção nacional torna o país refém de interesses estrangeiros e da disponibilidade de fornecedores. A experiência da Ucrânia, que teve o fluxo de suprimentos cortado quando a política externa dos EUA mudou, é um exemplo de criticidade à qual o Brasil não pode se sujeitar.
Qual é a solução?

Encontra-se no Congresso Nacional a PEC nº 55/2023, de autoria do Senador Portinho (PL-RJ) e com relatoria do Senador Randolfe Rodrigues (PT-AP). O texto original da PEC visa destinar 2% do PIB em gastos com Defesa. Sabendo das dificuldades de aprovar a proposta – devido à situação fiscal do país – o Ministério da Defesa e as Forças Armadas defendem um texto alternativo: 2% da RCL (Receita Corrente Líquida) para as despesas discricionárias de Defesa.

O que isso significa? Primeiramente, RCL, de forma simplificada, é a diferença entre as diversas receitas tributárias e as transferências constitucionais a estados e municípios, além dos gastos com previdência e assistência social. Ou seja, é uma métrica que leva em consideração a capacidade arrecadatória do ente federativo sem impactar suas obrigações de despesas obrigatórias mais prementes. Atualmente, a RCL da União gira em torno de R$ 1,4 trilhão.

Em segundo lugar, despesas discricionárias são aquelas que o gestor público tem a liberdade de não realizá-las. Ou seja, podem ser contingenciadas para cumprir a Lei de Responsabilidade Fiscal. No caso do orçamento de Defesa, essas despesas são responsáveis pelo pagamento de água e luz nos quartéis, pela aquisição de munições, combustíveis e peças para manutenção de viaturas, bem como pelos investimentos dos Projetos Estratégicos de Defesa. Em 2025, o orçamento total para todas essas despesas é de R$ 12,4 bilhões (ou 0,8% da RCL).

O que o país ganha com esse investimento?

Caso o texto proposto pelo Ministério da Defesa para a PEC 55 seja aprovado, as Forças Armadas disporiam de R$ 28 bilhões para suas despesas discricionárias. E o que elas fariam com todo esse recurso?

  • Aquisição de 820 blindados.
  • Implementação do SISFRON (Sistema de Monitoramento de Fronteiras) na Amazônia.
  • Conclusão e aquisição do MTC-300 (Míssil Tático de Cruzeiro com alcance de 300 km).
  • Aquisição de um sistema de Defesa Antiaérea de Média Altura (capacidade inexistente no país).
  • Recomposição do estoque estratégico de munições de diversos calibres.
  • Aquisição de 20 a 25 helicópteros.
  • Aquisição de drones de combate e de vigilância.

Mas o investimento em Defesa não vai apenas para as Forças Armadas – o que já beneficia o cidadão brasileiro (lembre-se da apólice de seguro) –, mas movimenta a economia do país. O setor de Defesa e Segurança Pública movimentou 4,8% do PIB no ano passado, gerando 2,9 milhões de empregos, muitos deles qualificados que pagam bons salários.

Um estudo de 2015 encomendado pela Associação Brasileira das Indústrias de Materiais de Defesa (ABIMDE) à FIPE indica que a cada R$ 1 investido no setor retorna R$ 0,50 apenas em tributos. Além disso, R$ 10 milhões/ano são capazes de gerar 170 empregos diretos e 350 indiretos.

O Brasil, embora esteja em um subcontinente sul-americano que não vê guerras entre Estados desde a década de 1990, convive com o paradoxo de ser uma das áreas mais violentas do mundo devido ao crime organizado. Além disso, tensões latentes, como a da Venezuela e Guiana, exigem atenção.

Não deveríamos tentar prever onde iniciará a próxima “World War“. Na verdade, cada brasileiro deve enfrentar a dura realidade de viver em uma “Worldwide Warfare” – um ambiente de múltiplas guerras conflagradas simultaneamente em todo o globo. Essa realidade não está longe de acontecer, e por isso o Brasil deve estar preparado.

Conscientizar a população sobre a importância da Defesa é fundamental para que seus representantes no Congresso Nacional atribuam a devida prioridade a essa questão e apoiem iniciativas cruciais como a PEC 55. Isso garantirá que o Brasil esteja devidamente preparado para qualquer cenário futuro e possa proteger seus interesses e sua população em um mundo que, infelizmente, pode já ter entrado em um ambiente duradouro de conflitos conflagrados.

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