O “Gabinete do Amor” sob a sombra do “Mensalinho do Twitter”

Lula wants you. Edição com imagens CC

A política brasileira continua sendo uma arena de intensos embates, especialmente nas mídias sociais, onde o Partido dos Trabalhadores (PT) tenta recuperar terreno com o lançamento do chamado “Gabinete do Amor”. Anunciado na última quarta-feira (02), por meio do site “Influenciadores com Lula”, o projeto busca cooptar blogueiros, youtubers, tiktokers e influenciadores, para divulgar as bandeiras do governo de Luiz Inácio Lula da Silva, como a proposta de taxar bilionários, bancos e casas de apostas (Bets), apelidada de “Taxação BBB”. Para muitos, no entanto, essa estratégia cheira a algo já visto: o “Mensalinho do Twitter” de 2018, quando o PT foi acusado de pagar influenciadores para impulsionar candidaturas. O “Gabinete do Amor” possui uma sombra, o “Mensalinho do Twitter”, e que, em conjunto com a PL das Fake News e os recentes desdobramentos de regulação das mídias sociais, podem representar um grande perigo para a liberdade de expressão e o debate público. O “Gabinete do Amor”: Um plano para dominar as mídias sociais O “Gabinete do Amor” é vendido pelo PT como uma reação ao sucesso da direita nas redes sociais, que vem ditando o ritmo do debate digital desde a eleição de Jair Bolsonaro em 2018. No site “Influenciadores com Lula”, o partido convoca apoiadores a se inscreverem e escolherem como querem ajudar: seja compartilhando posts, criando conteúdo, organizando eventos ou liderando grupos locais. A narrativa oficial fala em “espalhar amor” e “combater o ódio”, mas, para quem acompanha a política de perto, isso soa mais como uma tentativa de controlar a narrativa online em favor do governo. O termo “Gabinete do Amor” não é novo. Ele surgiu em 2022, durante a campanha de Lula, como uma resposta ao chamado “Gabinete do Ódio”, que o PT atribuía a Bolsonaro, mas nunca provou sua existência. Na época, a produtora 342 Artes e o coletivo Mídia Ninja criaram um programa no YouTube com esse nome, para “explicar as propostas de Lula de forma descontraída”. Em 2023, Paulo Pimenta, chefe da Secretaria de Comunicação Social (Secom), já falava em trazer influenciadores pró-Lula para dentro do governo. Em 2025, o projeto ganhou corpo com uma plataforma oficial do PT, focada em unificar o discurso e ampliar a propaganda de medidas como a “Taxação BBB”, que promete financiar a isenção do Imposto de Renda para salários de até R$ 5 mil, uma promessa de campanha do presidente. Para quem vê a política com olhos conservadores, o “Gabinete do Amor” é um sinal de alerta. Trata-se de uma manobra para organizar uma militância digital sob as rédeas do governo, o que cheira a manipulação da opinião pública. A ideia de “combater o ódio” parece mais um pretexto para calar vozes críticas, especialmente num momento em que a direita brilha nas redes com engajamento orgânico, construído sem depender de estruturas diretamente centralizadas. O “Mensalinho do Twitter”: Uma Sombra do Passado O “Gabinete do Amor” não pode ser analisado sem a lembrança do “Mensalinho do Twitter” de 2018. Naquele ano, empresas ligadas ao deputado petista Miguel Corrêa foram acusadas de pagar influenciadores para promover candidatos do PT e do PR (hoje PL), como Gleisi Hoffmann, Luiz Marinho e Wellington Dias, sem deixar claro que os posts eram propaganda. A denúncia, trazida à tona por influenciadores como Paula Holanda e amplificada pelo Movimento Brasil Livre (MBL), mostrou que o esquema descumpria a resolução do Tribunal Superior Eleitoral (TSE) de 2018, que proíbe propaganda paga na internet, salvo em casos de impulsionamento identificado. A pena para isso? Multas de R$ 5 mil a R$ 30 mil ou até cassação de candidaturas. O “Mensalinho” causou furor na época, com críticos apontando a hipocrisia do PT, que acusava adversários de “milícias digitais” enquanto usava métodos semelhantes. Apesar do barulho, as investigações patinaram na Justiça Eleitoral, e casos como o de Wellington Dias foram engavetados por falta de provas concretas. Ainda assim, o episódio deixou uma mancha: o PT parecia disposto a jogar sujo para ganhar espaço no debate digital. Agora, com o “Gabinete do Amor”, o PT tenta uma abordagem mais aberta, com um site público e um discurso de “mobilização voluntária”. Mas a semelhança com o “Mensalinho” é, simplesmente, gritante. Ambos os projetos buscam usar influenciadores para amplificar mensagens políticas, e a falta de clareza sobre possíveis pagamentos no “Gabinete” alimenta a desconfiança de que o partido está apenas polindo uma tática antiga. “Gabinete do Amor” x “Mensalinho do Twitter” Embora o “Gabinete do Amor” seja mais transparente que o “Mensalinho”, com uma plataforma oficial e um convite aberto a apoiadores, a diferença parece ser mais de fachada do que de essência. O “Mensalinho” era clandestino, com pagamentos escondidos, enquanto o “Gabinete” se apresenta como uma iniciativa legítima. Mas o objetivo é o mesmo: transformar influenciadores em megafones do governo. Enquanto o “Mensalinho” focava em campanhas eleitorais, o “Gabinete” mira pautas amplas, como a “Taxação BBB”. Aliás, essa pauta, parece ser um teste inicial de possibilidades e potencial, um projeto piloto. No fundo, ambos refletem a obsessão do PT em controlar o discurso na internet. A direita conquistou as redes com movimentos orgânicos, com figuras como Bolsonaro e Nikolas Ferreira conectando-se diretamente com o público. Já o PT aposta numa abordagem burocrática, com cadastros e diretrizes, artificial, mas com o intuito de atingir engajamento. A retórica de “combate ao ódio” é vista com ceticismo, já que o PT sempre acusou a direita de práticas que agora parece adotar, como organizar influenciadores para moldar a opinião pública. O projeto de MAV’s do PT é antigo Em 2011, no 4º Congresso Nacional do PT, foi aprovada a criação do que ficou chamado como MAV (Militância em Ambientes Virtuais). O objetivo era formar uma “tropa de choque” de militantes com o objetivo de “ocupar espaços”, no âmbito virtual, como na área de comentários de blogs e sites de notícias, além de discussões em mídias sociais, com a repetição de slogans em defesa do partido. Estamos falando da época em que o Orkut reinava por aqui e o Facebook ainda tentava seu lugar

Musk VS Trump tem um novo capítulo: Musk anuncia criação de novo partido político

Elon Musk, o homem mais rico do mundo e uma das figuras mais influentes da tecnologia e da política norte-americana, anunciou neste sábado a fundação de um novo partido político, o “America Party”. A decisão ocorre após semanas de especulação e uma enquete realizada pelo bilionário em sua plataforma X (antigo Twitter), onde, segundo ele, a maioria dos participantes manifestou apoio à criação de uma legenda alternativa. “Por uma margem de 2 para 1, vocês querem um novo partido político, e terão!”, escreveu Musk em um post que viralizou imediatamente. Na sexta-feira, o empresário havia questionado seus seguidores sobre o apoio a um partido que, segundo suas palavras, devolveria aos americanos “sua liberdade”. A proposta de Musk é criar uma força política que funcione como um bloco decisivo no Congresso, influenciando votações de projetos de lei sensíveis. Ele afirmou que o America Party concentrará esforços em disputar “apenas 2 ou 3 cadeiras no Senado e 8 a 10 assentos na Câmara”, quantidade que pode ser determinante em votações com margens apertadas. “Isso bastaria para garantir que as leis reflitam a vontade verdadeira do povo”, declarou Musk. Ainda não há registro oficial do America Party junto à Comissão Federal Eleitoral, e Musk não especificou em que estados ou distritos a nova legenda poderá se registrar primeiro. O bilionário disse apenas que pretende que seus parlamentares atuem de forma independente, negociando com ambos os partidos tradicionais – republicanos e democratas – para aprovar ou bloquear iniciativas legislativas. O anúncio ocorre em meio a um momento de tensão entre Musk e Donald Trump. Apesar de ter sido o maior doador individual da campanha presidencial de 2024 – com contribuições que ultrapassaram US$ 280 milhões, majoritariamente para Trump e outros republicanos – Musk rompeu publicamente com o ex-presidente nas últimas semanas. O atrito escalou após a aprovação do chamado “big, beautiful bill”, um pacote de políticas domésticas de Trump que aumentou o teto da dívida em US$ 5 trilhões, medida que Musk classificou como “insana”. “Está claro, com esses gastos absurdos, que vivemos em um país de partido único – o PARTIDO DO PORQUINHO!”, ironizou Musk na segunda-feira, ao criticar a coalizão republicano-democrata que viabilizou o projeto. O rompimento representa uma reviravolta na relação entre os dois. Musk chegou a ocupar um cargo de assessor especial no polêmico Departamento de Eficiência Governamental (DOGE), criado por Trump para reduzir a máquina pública, mas se afastou em maio, quando seu mandato terminou. Desde então, vinha sinalizando que o sistema bipartidário estava “falido”. Analistas políticos afirmam que, se Musk resolver investir recursos em campanhas legislativas já em 2026, seu apoio poderá definir resultados em disputas acirradas. “Ele tem poder financeiro e influência cultural para agitar o cenário político americano de forma inédita”, comentou Brian Schwartz, repórter da CNBC que acompanha a movimentação de doadores bilionários. Além das críticas aos gastos públicos, Musk tem feito apelos à “liberdade individual”, ao corte de burocracia e ao uso da tecnologia como motor de governo. Embora detalhes do programa do America Party ainda não tenham sido divulgados, o discurso contra o establishment e contra o “pântano político” de Washington indica que ele pretende capturar parte do eleitorado populista insatisfeito com democratas e republicanos. A novidade reacende debates sobre o papel de megabilionários na democracia americana e sobre o potencial de fragmentação partidária. Para alguns especialistas, o movimento pode ter efeitos semelhantes ao surgimento de partidos alternativos que já definiram eleições presidenciais no passado. Outros, porém, questionam a viabilidade de um projeto político dependente da figura de Musk e de seu capital pessoal. Em meio ao turbilhão de reações, a única certeza é que Elon Musk, mais uma vez, conseguiu capturar a atenção nacional – e talvez reescreva parte da história política dos Estados Unidos. Fontes: CNBC, ANSA, BBC

Trump ergue prisão para imigrantes no pântano da Flórida — cercada por jacarés e doenças

O recém-construído centro de detenção no coração dos Everglades, na Flórida, batizado de “Alligator Alcatraz” pelas autoridades estaduais, tornou-se alvo de duras críticas de especialistas em saúde pública, ambientalistas e grupos de direitos humanos. Erguido em apenas oito dias e inaugurado com entusiasmo pelo presidente Donald Trump, o campo já apresenta sinais de precariedade, como alagamentos e riscos ambientais severos. Localizado sobre uma pista de pouso abandonada cercada, o campo pretende abrigar mais de 3 mil imigrantes sob custódia, além de 100 funcionários. Apesar da retórica oficial que evoca “os migrantes mais perigosos do planeta”, especialistas apontam que as ameaças reais vêm do ambiente hostil. “O risco de doenças transmitidas por mosquitos neste local é significativo”, alertou Durland Fish, professor emérito de epidemiologia da Escola de Saúde Pública de Yale. Estudos realizados na região detectaram vírus que podem causar encefalite, uma inflamação cerebral grave sem tratamento específico. A umidade extrema, combinada com temperaturas que chegam a 91ºF (33ºC) durante o verão, agrava o quadro. As instalações consistem em grandes tendas com celas improvisadas de cercas metálicas, banheiros e chuveiros portáteis. Vídeos divulgados pela imprensa local mostram que parte do campo começou a inundar ainda durante a visita de Trump na semana passada. O estado afirma que as estruturas suportam ventos de até 110 mph (177 km/h), limite que especialistas consideram ultrapassado pelas normas de construção da Flórida desde o furacão Andrew, em 1992. “Hoje, qualquer edificação em zona de furacões deve ter resistência superior e sistemas certificados de proteção das aberturas”, disse Anthony Abbate, professor da Faculdade de Arquitetura da Florida Atlantic University. O local está em uma área classificada como de alta velocidade de furacões, o que torna as estruturas temporárias ainda mais vulneráveis. O governador Ron De Santis defendeu a iniciativa como parte de seu plano de deportação em massa de imigrantes em situação irregular, que prevê a criação de outros centros semelhantes em pontos estratégicos do estado. Para ele e seus aliados, o isolamento geográfico — cercado por quilômetros de pântano — é uma vantagem que desencoraja fugas e reforça o efeito dissuasório. “Estamos cercados por uma área traiçoeira, e a única saída real é a deportação”, declarou Trump durante sua visita. No entanto, ambientalistas e organizações indígenas que lutaram por décadas para proteger o Big Cypress Swamp afirmam que o campo ameaça o delicado equilíbrio ecológico da região. Fotógrafo e ativista Clyde Butcher, que documenta os Everglades há 40 anos, disse que o uso intenso de geradores, luzes de segurança e a possibilidade de pulverização maciça de inseticidas terão consequências devastadoras para a fauna local. “A água aqui é pura e cristalina. Este não é um lugar para campos de detenção”, lamentou. A localização remota também gera preocupação entre defensores dos direitos dos imigrantes. “É praticamente inacessível para advogados, famílias e qualquer tipo de fiscalização independente”, disse Renata Bozzetto, vice-diretora da Coalizão de Imigrantes da Flórida. “Isso cria um ambiente propício a abusos e violações de direitos humanos.” O Departamento de Segurança Interna dos EUA (DHS) tenta se distanciar do projeto. Em documento apresentado à Justiça, afirmou que “não autorizou, financiou ou operou” o centro, embora a secretária Kristi Noem tenha prometido reembolsar US$ 450 milhões ao estado pelo primeiro ano de funcionamento. Grupos democratas tentaram inspecionar o local na quinta-feira, mas foram barrados. “É uma afronta ao direito legal de fiscalização de instalações prisionais e mais uma tentativa de esconder abusos da opinião pública”, disseram deputados em nota conjunta. Entre críticas ambientais, dúvidas sobre segurança estrutural e denúncias de violações de direitos, o Alligator Alcatraz já se tornou um símbolo polêmico da política migratória agressiva de Trump — e um novo capítulo no debate nacional sobre o tratamento dado aos imigrantes nos Estados Unidos. Fontes: Washington Post, BBC, Il Post

Sem China e Rússia, Cúpula do BRICS no Brasil perde a relevância almejada

A cúpula do BRICS marcada para esta semana no Brasil deveria simbolizar a consolidação de um bloco capaz de desafiar a ordem global dominada por Estados Unidos e Europa. Mas a ausência de quatro atores centrais — China, Rússia, Egito e Irã — lançou uma sombra sobre a relevância prática do encontro. Ainda assim, uma pauta ambiciosa sobre a criação de uma moeda comum para rivalizar o dólar americano ocupa o centro do debate, mesmo sendo considerada por especialistas como uma proposta distante da realidade. A proposta de criação de uma moeda unificada do BRICS não é nova. Surgiu inicialmente há mais de uma década como um ideal de cooperação econômica aprofundada. Ganhou fôlego nos últimos anos, alimentada pelo discurso de “desdolarização” — o desejo de reduzir a dependência da moeda americana nas transações internacionais. Entretanto, nem mesmo seus defensores mais entusiásticos escondem os enormes obstáculos. Para começar, o bloco é uma colcha de retalhos: Brasil, Rússia, Índia, China e África do Sul têm interesses estratégicos distintos, regimes políticos díspares e níveis de integração econômica muito desiguais. Agora, com novos integrantes — incluindo Egito, Etiópia, Irã e Arábia Saudita —, as diferenças se multiplicaram. Nenhum mecanismo efetivo foi criado para harmonizar políticas fiscais ou monetárias, pré-requisitos essenciais para uma moeda única minimamente funcional. O economista Eswar Prasad, da Universidade Cornell, resumiu a dificuldade enfrentada pelos BRICS:  “Se é difícil manter a coesão na zona do euro, que compartilha fronteiras e regulações comuns, imagine entre países com disputas geopolíticas abertas e estruturas econômicas díspares“. Com China e Rússia fora desta reunião — Xi Jinping justificou “prioridades internas” e Putin anunciou a ausência devido à falta de transparência do Brasil em relação à decisão do Tribunal Penal Internacional de prendê-lo — a iniciativa soa mais como retórica política do que projeto imediato. O discurso oficial dos governos menciona “estudos preliminares” sobre moedas alternativas e a ampliação do uso de acordos bilaterais de pagamento em moedas locais. Mas mesmo essas ideias esbarram em limitações técnicas e no receio de investidores sobre instabilidade cambial. Na imprensa internacional, a ausência das duas potências centrais gerou análises duras sobre o esvaziamento do BRICS. O The Economist publicou um editorial afirmando que o bloco “corre risco de virar um fórum retórico sem impacto tangível na ordem financeira global“. Já o Le Monde destacou que o afastamento de Xi e Putin sinaliza o desinteresse momentâneo em investir capital político em um encontro dominado por disputas regionais e sem consensos claros sobre prioridades. Mesmo líderes presentes, como Narendra Modi, da Índia, preferiram focar em projetos de cooperação científica e investimentos em infraestrutura, reconhecendo que a proposta de moeda comum carece de base institucional sólida. O secretário-geral da ONU, António Guterres, também alertou que, enquanto novas iniciativas de moedas alternativas podem ter “interesse geopolítico“, não devem agravar a fragmentação financeira que ameaça países em desenvolvimento com maiores custos de financiamento e volatilidade. Outro fator que contribui para o ambiente conturbado é a própria expansão do BRICS. A entrada do Irã, país sancionado por boa parte do Ocidente, e a participação da Arábia Saudita, com seus interesses muitas vezes conflitantes com Teerã, criaram novos atritos. Enquanto o bloco pretendia mostrar força ao incluir atores do Golfo e do Oriente Médio, acabou expondo mais divergências. Por exemplo, a Arábia Saudita prefere manter o dólar como moeda de referência para seu comércio de petróleo, enquanto o Irã defende explicitamente a “substituição completa“ do dólar por alternativas baseadas em cestas de moedas dos BRICS. Este descompasso mina qualquer tentativa de consenso mínimo. A guerra na Ucrânia adiciona outro complicador: muitos países temem sanções secundárias caso suas transações passem a envolver bancos russos. A tentativa de criar uma nova moeda de reserva esbarra em três obstáculos principais. Primeiro, o volume de comércio intra-BRICS é expressivo, mas não suficiente para ancorar uma moeda com liquidez global. Segundo, a desconfiança mútua entre os governos sobre quem controlaria o sistema monetário gera paralisia. E, terceiro, nenhuma instituição multilateral do bloco tem poder técnico ou legitimidade para implementar uma união monetária. A realidade é que cerca de 90% do comércio global ainda é liquidado em dólares e euros, segundo dados do SWIFT. Mesmo que parte dos contratos de petróleo russos e chineses hoje seja efetuada em yuan, o uso permanece restrito a acordos bilaterais e não cria massa crítica. Em contrapartida, defensores da proposta, como o chanceler russo Sergei Lavrov, argumentam que o dólar se tornou “instrumento de coerção política” e que a criação de alternativas fortalece a soberania dos países emergentes. Mas, mesmo entre aliados, a aposta é que qualquer plano desse porte exigirá pelo menos uma década de negociações, marcos regulatórios e testes pilotos. Temos ainda outro fator de pressão nos países dos BRICS que foi a vitória de Donald Trump na última eleição norte-americana e suas críticas enfáticas quanto à adoção de uma moeda comum pelo grupo, que teria como consequência impostos elevados ou corte de relações comerciais com os EUA. Logo após essas declarações, vários líderes dos BRICS se pronunciaram, declarando que a criação de uma moeda comum não está em negociação entre os membros. Uma cúpula com temas esvaziados Sem a presença de seus dois principais fundadores e maiores economias, e com divisões sobre sanções e guerra, o encontro no Brasil tende a produzir mais declarações de intenções do que avanços concretos. O risco é que a cúpula seja lembrada pelo contraste entre retórica e capacidade real de coordenação. Por outro lado, a reunião deve reforçar agendas mais pragmáticas, como investimentos cruzados em infraestrutura, energia limpa e agricultura. Esses projetos, menos polêmicos, têm potencial para gerar impacto direto na economia dos membros, algo que pode se tornar o verdadeiro legado do BRICS nesta década. Enquanto isso, a proposta de criar uma moeda capaz de rivalizar o dólar serve como potente símbolo político — mas um símbolo ainda longe de se materializar.

Crise energética expõe vulnerabilidade de Taiwan e abre espaço para aposta geotérmica

Taiwan está à beira de um colapso energético que ameaça não apenas seu modelo econômico, mas também sua segurança estratégica diante do expansionismo chinês. Ao acelerar a eliminação gradual das usinas nucleares, a ilha se expôs a blecautes sucessivos e a tarifas de energia recordes, enquanto a prometida expansão de energia eólica offshore falhou em suprir a demanda crescente. Desde 2018, quando os primeiros reatores começaram a ser desligados, a confiabilidade do sistema elétrico de Taiwan se deteriorou. O reator final foi desativado em maio deste ano, elevando ainda mais o risco de interrupções de energia. Para compensar, a ilha intensificou a importação de gás natural liquefeito (GNL), que corresponde hoje a cerca de 38% de sua matriz elétrica. Esse recurso, além de caro e poluente, aumenta perigosamente a vulnerabilidade da ilha a bloqueios navais ou sanções vindas de Pequim — um ponto crítico, considerando as reiteradas ameaças militares chinesas ao redor do estreito de Taiwan. As tarifas de eletricidade subiram duas vezes apenas em 2024, após dois anos consecutivos de reajustes, chegando a níveis históricos. Usuários industriais, como a Taiwan Semiconductor Manufacturing Company (TSMC), alertaram que estão pagando alguns dos preços mais altos do mundo para manter a produção de chips. Isso mina justamente o chamado escudo de silício — a dependência global de semicondutores taiwaneses, considerada por Taiwan uma garantia indireta contra invasões. Detalhes técnicos do cenário energético Frente a este quadro, o governo do presidente Lai Ching-te, do Partido Democrático Progressista (DPP), começou a olhar para uma alternativa historicamente negligenciada: a energia geotérmica. Taiwan se localiza na Orla do Pacífico, sobre duas placas tectônicas, apresentando vastos recursos geotérmicos que permanecem praticamente inexplorados desde um frustrado projeto piloto nos anos 1980. Em 2023, o Ministério da Economia taiwanês lançou novas diretrizes para atrair investimentos privados no setor. Já em abril deste ano, o Google anunciou uma parceria com a sueca Baseload Capital para construir uma usina piloto geotérmica para abastecer seus data centers na ilha. A perfuração já começou na costa leste, onde o potencial de aquecimento subterrâneo é mais favorável. A geotermia oferece uma solução interessante: garante geração constante, como a nuclear, mas sem resíduos radioativos. Por isso, tem agradado tanto conservadores do KMT — que prezam pela confiabilidade do suprimento — quanto ambientalistas do DPP, que não querem reabrir feridas do debate nuclear após Fukushima. Ainda assim, o KMT tenta resgatar a opção nuclear. Em agosto, promoverá um referendo sobre a reativação do último reator, construído mas nunca conectado à rede. Pesquisas de opinião mostram a população dividida. A crise energética taiwanesa não é apenas um problema de tarifas ou apagões: ela expõe um ponto fraco gravíssimo para a segurança da ilha, que depende de energia estável para sustentar sua gigantesca indústria de semicondutores — vital não apenas para Taiwan, mas para toda a economia ocidental. Se a China decidir fechar as rotas de GNL ou sabotar as importações, a situação poderia se tornar insustentável rapidamente. Resta saber se Taiwan terá coragem de reavaliar de forma pragmática a energia nuclear, ou se apostará todas as fichas no geotérmico. O fato é que, sem soluções de base firme, a ilha permanecerá em risco diante de qualquer movimento de coerção de Pequim. Fonte: foreignpolicy.com

Governo do RJ solicita apoio do Exército para retomada de territórios dominados pelo Tráfico

O governador do estado do Rio de Janeiro, Cláudio Castro (PL), anunciou que solicitará o apoio das Forças Armadas e da Polícia Federal para retomar áreas dominadas por organizações criminosas ligadas ao tráfico de drogas. A medida, que será formalizada junto ao governo federal até 15 de outubro, integra um plano de segurança exigido pelo Supremo Tribunal Federal (STF) no âmbito da Arguição de Descumprimento de Preceito Fundamental (ADPF) 635, conhecida como “ADPF das Favelas”. A expectativa é que as operações comecem ainda nesse ano. Segundo o secretário de Segurança Pública, Victor dos Santos, o plano prevê ações coordenadas entre forças estaduais e federais, com foco inicial em comunidades de “baixa criticidade”, como Cidade de Deus, algumas áreas de São Gonçalo, Vila Kennedy, Antares e Mangueirinha. Regiões como o Complexo do Alemão, consideradas de alta complexidade, demandariam estratégias mais robustas. A solicitação incluirá a implementação da Garantia da Lei e da Ordem (GLO), que viabiliza legalmente a atuação das Forças Armadas, incluindo o uso de veículos blindados para superar barricadas e enfrentar o arsenal bélico dos criminosos. A GLO é uma operação que permite o emprego das Forças Armadas em apoio às forças de segurança pública, em situações de grave perturbação da ordem. Com o objetivo de preservar a integridade da população e garantir o funcionamento regular das instituições, a GLO é empregada de forma pontual, restrita a uma área e por tempo determinado. Em abril, o STF determinou a elaboração de um plano amplo para reocupação de territórios controlados pelo tráfico, com o objetivo de reduzir a letalidade policial e restabelecer a presença do poder público nas comunidades. “O poder público não pode se fazer presente apenas com polícia. As forças de segurança devem estar integradas para devolver o território à população”, afirmou Santos. O plano incluirá cronogramas, metas e indicadores de desempenho, visando uma governança compartilhada entre os entes federal, estadual e municipal, independentemente de disputas políticas. “Existe um comércio explorado por essas organizações criminosas: internet, gás, energia elétrica. O tráfico aprendeu com a milícia no passado e, hoje, não é só a droga que se vende. A luta é pelo território, que é sinônimo de receita” – Victor dos Santos, Secretário de Segurança Pública Críticas nas mídias sociais destacam que, sem um plano de longo prazo, os traficantes tendem a retornar após a saída das forças de segurança. O governo estadual assegura que o plano será estruturado para evitar impactos das disputas eleitorais de 2026, buscando uma solução definitiva para a segurança pública no Rio.

Irã usa o BRICS para tentar legitimar seu regime e desafiar o ocidente

O Irã chega à cúpula do BRICS, que começa neste domingo no Rio de Janeiro, buscando sinalizar ao mundo que não está tão isolado quanto seus adversários gostariam. Após 12 dias de bombardeios israelenses e norte-americanos contra instalações militares e nucleares em território iraniano, Teerã intensifica esforços diplomáticos para demonstrar que ainda conta com aliados de peso, mesmo enfrentando severas sanções e ameaças de novos ataques. Essa será a primeira participação do Irã em uma reunião de cúpula do bloco, que reúne Brasil, Rússia, Índia, China, África do Sul e países que se uniram recentemente, como Egito, Etiópia e Emirados Árabes Unidos. A entrada iraniana foi patrocinada principalmente por Rússia e China, que enxergam no BRICS uma oportunidade de enfraquecer a predominância dos Estados Unidos nas instituições financeiras e políticas globais. O contexto geopolítico tornou essa aproximação ainda mais relevante para Teerã. O governo iraniano confirmou que enviou uma delegação ao Brasil, representado pelo Presidente do Parlamento Mohammad Bagher Ghalibaf, porém não divulgou se haverá encontros bilaterais à margem do evento. Analistas apontam que a simples presença do Irã é uma mensagem simbólica: apesar dos ataques contra seu programa nuclear, Teerã quer mostrar que tem apoio de potências que rivalizam com Washington. “O simbolismo de estar sentado à mesa do BRICS é enorme para o Irã agora”, explicou Sanam Vakil, diretora do programa para Oriente Médio e Norte da África do Chatham House. Na visão de Teerã, fazer parte do bloco reforça a narrativa de que o país não está isolado, mas inserido em um movimento global de contestação à ordem dominada pelo Ocidente. No entanto, a inclusão iraniana escancara as dificuldades internas do BRICS. Países como Índia, Brasil e África do Sul têm relações econômicas próximas aos EUA e se mostram reticentes em assumir uma postura mais agressiva contra Washington. Após os ataques americanos e israelenses, o BRICS divulgou apenas uma nota de “grave preocupação”, classificando as ofensivas como violações do direito internacional, mas sem condenações diretas. Segundo o especialista Oliver Stuenkel, da Fundação Getúlio Vargas, não há consenso real sobre a situação iraniana. “A solução foi emitir um comunicado muito brando”, avaliou. A cautela reflete os interesses díspares dos membros. Brasil, por exemplo, não quer comprometer relações com seu segundo maior parceiro comercial, os EUA. O presidente Lula resiste às pressões russas e chinesas para posicionar o BRICS como um bloco declaradamente anti ocidental. Mesmo assim, Rússia e China aproveitaram o contexto para endurecer seus discursos. Moscou classificou os ataques como “agressão não provocada”, enquanto Pequim pediu “moderação” e defendeu negociações. Já Índia, África do Sul e Etiópia preferiram manter distância de qualquer retórica mais incisiva. Especialistas acreditam que o Irã vai insistir para incluir na declaração final um respaldo explícito contra novas agressões e um compromisso com mecanismos de cooperação que atenuem o impacto das sanções. Mas há dúvidas se o bloco conseguirá chegar a um texto mais forte. A ausência física dos presidentes Xi Jinping e Vladimir Putin também limita o peso político do encontro. Xi enviou o primeiro-ministro Li Qiang em seu lugar, e Putin participará por videoconferência devido ao mandado de prisão expedido pelo Tribunal Penal Internacional. Em meio a tantas divisões, a expectativa é que o Irã use o encontro principalmente como palco simbólico para afirmar que ainda possui aliados relevantes em sua disputa contra o Ocidente. Fontes: New York Times, Agência Brasil

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